quinta-feira, 11 de julho de 2024

Mensagem 301

 11 de julho mas está a chover. Pelo menos aqui, porque no telemóvel vi fotografias de sítios em que faz sol. Sítios irónicos como a noruega.

Hoje acordei para o teletrabalho. E eu odeio a solidão do teletrabalho. São os outros que me dão energia, como se eu fosse um carro movido à energia dos outros.

Mas quando estou com os outros eu ponho os phones.

Tenho saudades tuas, mas eu lembro-me que tudo se esquece. Tudo desaparece. Num ano eu não me lembro de ti. Então não te digo nada. Também o que poderia dizer?

- Tenho saudades tuas.

E tu ignorarias. E o meu coração, o meu coração iria demorar a recuperar.

terça-feira, 18 de junho de 2024

Mensagem 300

 

Escrevi-lhe uma carta,

Porque é assim que eu acabo todos os romances,

não paragrafo por decoro, mas são, para mim, poemas.

Uns levaram-me à baixa, outro a catedrais, e outro ao topo de montanha.

Alguns levaram-me a inocência. 

Mas a nenhum eu devo nada.

Talvez devesse ter deixado dividas para trás, algo que eles tivessem para se lembrar de mim.

Um recibo da alma que dei.

Mas a verdade é que sempre a recuperei,

Pouco a pouco.

O que te dói é o sangue e as vísceras do animal que és.

Foca-te na alma.

Na alma, alma, alma.

No amor do teu pai

Da tua mãe.

Daquilo que é teu

E nenhum deles pode levar,

E portanto, poderia fingir amar.

Os outros são uma extensão de ti, e tudo o que quiseste neles,

Tu tens em ti.  

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Mensagem 299

 


Eu digo a toda a gente que não acredito em Deus,

Mas eu rezo muito.

- Pai nosso que estás no céu.

Com a cabeça na almofada, às vezes até no meio de multidões.

Eu tenho rezado muito, não a Deus,

Mas a alguém que esteja aqui,

Seja quem for,

Que me ajude nestes dias.

 

O sol está a pôr-se,

O verão já chegou, mas eu ainda me surpreendo com a luz lá fora,

Fico sempre à espera que esteja a chover.

É domingo, e eu estou em Oeiras,

O meu coração está sempre partido,

Todos os dias.

Às vezes mais aos domingos,

Passamos domingos juntos, tu e eu.

Agora tenho uma mensagem tua sem resposta,

Mas é uma mensagem de despedida.

Já a decorei de tanto a ler,

Só para não me esquecer que também tu quiseste ir.

- Pai nosso que estás no céu.

E não devia doer tanto, mas alguma coisa ficou tua, da maneira como mexias as mãos enquanto falavas,

Às vezes paravam-te no peito, por cima do teu coração,

Como se estivesses a falar a verdade.

Mas o meu coração está partido e desconfia.

O teu coração também está partido,

Mostrou-me os dentes quando eu lhe pedi para entrar.

E por ter já sido tão mordido, o meu fugiu.

Os dois a lamberem feridas que não saram sozinhas,

mas não sabem aceitar companhia.

Se o meu coração não estivesse partido,

Se o teu não estivesse partido,

Achas que podíamos ter passado este domingo juntos?

As minhas mãos nas tuas, a pousarem-te no peito.

 

As saudades que me doem são sempre de tudo o que não aconteceu.

 

Ontem vi quem me partiu o coração,

Passou por mim,

E virou-me a cara.

- Pai nosso que estás no céu.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Mensagem 298

 


Vêm aí,

Os soldados em formação.

Armados contra mim.

Abrem fogo enquanto eu durmo.

Um conflito prolongado pela minha subserviência,

vassalagem aos bons costumes.

Abrem fogo contra o meu coração.

Visto a armadura,

E subo ao meu cavalo.

Se eu domar o meu peito que pesa de medo,

Eles não vencem.

Se eu seguir o meu caminho eles não ganham.

As minhas muralhas erguidas,

A minha honra escriturada.   

Eles não ganham enquanto o mundo girar.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Mensagem 297

 


Quando eras meu,

- A vibrar no telemóvel e a descer a estação do oriente -

Eu queria-te escrever cartas de amor mas,

há qualquer coisa no amor que não gosta de um poema,

e fica-se pelas palavras à mesa,

Na cama.

 

Agora, agora, que deixaste de ser meu,

Faço cartas de amor até no supermercado,

há qualquer coisa no desgosto que só cabe no papel,

Por ser tão profundo.

Então eu pesquiso aulas de

jardinagem, bordado e de como ser,

na expectativa de não deixar o desgosto enraizar.

Eu tinha tanto, tanto, medo de te perder,

de te ouvir dizer o que disseste,

de te ver sair pela porta que saíste.

 

Agora, agora, eu tenho medo de que tudo te corra bem,

Desde que me deixaste,

que por um rasgo de sorte, todos os teus sonhos

se alinhem e encaixem,

todos os telefonemas são boas noticias,

todas as campainhas são para ti.

E que tu penses que foi porque eu me fui embora.

 

Sintomas de uma alma dorida,

cuja cura está longe.

E eu eu eu

desconfio que ficou nas cartas de amor que nunca te escrevi.

segunda-feira, 25 de março de 2024

Mensagem 296

 


É esta a forma como tratas alguém que amaste?

Independentemente de para onde o teu amor foi.

Não vou negar que é sempre difícil terminar amores:

O medo do arrependimento,

De dizer ao amor:

- Eu desisto.

E de tudo ir,

Gargalo abaixo,

um amigo tão íntimo,

um corpo que nos abraça,

Mas que já nos chateia.

Magoar alguém que também tem uma faca na mão.

No entanto, há formas de o fazer:

até nos despedimentos, há formas de o fazer,

Missas para rezar,

Poemas para fechar.

Contas a fazer.

Não que faça diferença em mim,

Que os meus instintos sempre se iriam ativar,

A primata dentro de mim bater nas árvores,

A dor química da abstinência,

Deste método científico que somos todos feitos,

Da condição humana que não posso evitar,

Mas amadurecer.

Mas é esta a forma como tratas alguém que te ama?

Que a ti se deu, quando tu nos meus olhos pediste:

- Quero que sejas minha.

Porque deixas na alma dos outros esta tatuagem,

Esta assinatura mal feita num coração que foi teu,

Não corras quando te vais embora,

Porque assim não vês o que a tristeza tem para te ensinar.

E então sim, a sensação de um amor desperdiçado.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Mensagem 295

 


O amor é um bicho que pode ser domado,

Esfaimado,

Prendido.

E com este pensamento,

Pequenina diante de tal bicho,

Que se espuma e bafa à minha frente,

Nego este ímpeto de o montar,

De lhe colocar uma cela no dorso e uma trela na boca porque sei que ao fazê-lo,

É colocar uma cela e trela em mim.

Então viro as costas,

Fujo e fujo,

Corro e corro,

Escalo e escalo,

E aos poucos este bicho que é o amor,

Está longe, lá ao fundo,

Mal nutrido.

E eu tenho a impressão de que já não sou pequenina diante dele,

Mas não me chego perto para ter a certeza.


E no meio da fuga descobri outro que tão facilmente percebi que era também bicho,

Dei-lhe a mão a cheirar e ele não mordeu,

E ainda é homem, não bicho,

Mas eu vivo com medo de que ele se transforme,

Que me calque as mãos no meio da minha escalada,

Ou que eu não o saiba alimentar,

E ele não cresça saudável.

Mas eu gostava de ter um bicho que nunca perdesse o pelo,

Que me ajudasse a ser,

Um espaço meu,

Onde eu possa abrir as janelas de manhã e ele as feche à noite.

E eu não sou de rezar,

Nem sei avaliar-me bem ao espelho ou nas pautas,

Mas eu peço a deus,

Que me permita ter um amor grande, não um monstro.

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Mensagem 294

 


Há alguém novo,

Na minha cama,

Dentro do meu coração.

Tem a voz grossa e as mãos fortes,

ele pede-me que

- Fala comigo.

E eu não sei como lhe dizer que tenho medo que se eu falar,

Ele veja,

Que eu sou frágil.

 

Eu gostava de lhe dizer,

Que o meu coração treme sempre que ele aparece,

mas não encontro as palavras,

e tenho medo que ele se assuste,

e de repente,

eu sou um arrependimento.

Algo que ele esquece.


Os dias passam. Será que ele sabe?

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Mensagem 293


Pode ser que não seja mais que isto:

Eu e tu tivemos o amor,

na mão

E não soubemos o que fazer.

Mas quisemos e tanto.

Foi tão dolorosamente fácil,

como se nos tivessem dado um barco no meio de uma tempestade

e soubéssemos exatamente como remar.

Sem plano ou direções

mas com o instinto a ir para o lado certo.

E tu remaste sempre,

mesmo quando eu não via as ondas e

quando o nevoeiro me impedia a vista

tu apontaste-me o caminho.

E ás vezes, por vezes,

eu devo ter deixado entrar água

e tu com os pés encharcados sacaste de umas galochas.

E assim fomos indo a sítios,

vimos cidades

e comemos o mundo.

E eu acredito que também vesti as minhas galochas,

que as saquei de dentro de mim,

de então desse amor.

Que sempre ouvi falar,

e que agora sei o que é.

Contigo. Na tua barba e nos teus olhos.

E de repente, o nevoeiro chegou a ti.

E eu não sei, não sei,

uma onda talvez.

uma baleia então,

talvez foi o vento de norte.

Ou tudo. 

E o barco virou.

E as cidades que vimos agora estão em fotografias,

E eu tento-me lembrar do que foi ter os meus pés nas praças delas, 

Mas os meus pés doem porque não se lembram.

São fotografias de uns pés.


Então debaixo do barco,

numa bolha de oxigénio,

entramos em pânico.

Tu apontavas para cima.

Eu para o fundo.

Eu para a direita,

Tu para a esquerda.

E os teus olhos e a tua barba, 

menos meus.

E a verdade é que com isto da tempestade,

eu não tive o tempo que queria para te ver,

para me perder em ti.

Como merecia.


E na bolha de oxigénio,

vimo-nos pela primeira vez.

Naquilo que não gostamos de ver ao espelho,

a parte de nós que não é nossa,

que já estava aqui quando nascemos.


E como se tivéssemos sido resgatados,

fomos largados na praia

onde começamos.

E olhar para ti, 

a procurar quem tem mais cicatrizes,

não vai levar a lado nenhum.

Por isso, eu vou indo.

Eu lembro-me de ter uma cabana nesta praia,

não sei bem onde estão as chaves.

Eu gostava de te convidar a entrar,

mas eu sei que tens que ir.

Já é tarde, o sol já se pôs,

eu queria-te arranjar o cabelo,

puxar-te o lençol.

Mas parece-me a mim,

Que devo aceitar o naufrágio, e entender que o capitão vai ao fundo com o barco, porque não se pode ser capitão de um barco afundado.


Eu entendo que quisesses afundar o barco, não precisavas de o afundar comigo dentro.