segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Goodbye Alice in Wonderland

Quando eu era pequenina ficava enrolada numa manta a ver a chuva bater na janela e talvez uma tia a mexer-me nos caracóis, a fazer-me uma trança com uma destreza incrível. E talvez a mesma tia, as mesmas mãos, na cozinha, e mais uma vez uma destreza incrível, pão com manteiga que me sabe hoje a saudade. A aquecer-me a pedra que sou, sem saber bem onde acabo porque já me sinto acabada faz tempo. Sem saber bem para o que tenho jeito, não tenho jeito para nada, como se fosse maneta, sem boca, sem vista. A acabar onde os outros começam. Sempre antes dos outros, ou a prolongarem-me o tempo, porque não me enervo com facilidade, não fico nervosa com o dia-a-dia. Que venha o que deus quiser, que eu não tenho mais sitio para ir.
Quando me roubaram as mantas e o som da chuva, roubaram-me a cor da alma e foi um sarilho nessa altura, porque ninguém me esperava e já nenhuma tia a elogiar-me os caracóis. E os caracóis a fazerem-me achar feia, porque já nenhuma trança no alto da cabeça e ninguém a pedir-me a mão nas passadeiras. Crescer é também deixar de ser amado. Ninguém a admirar-me a trança, e a minha mãe não mais a orgulhar-se de mim à porta dos gabinetes das colegas. E eu um pouco maior e tornar-me numa pedra por dentro, a fazer do meu corpo uma ilha, sei lá porquê que cresci assim, é a maneira que sou, não gosto que se cheguem, porque demoro a habituar-me aos cheiros, aos timbres da voz. Mas depois, quando me costumo não quero outra coisa, e é mais um sarilho, porque as pessoas tendem a aborrecer-se, sei lá porque, é a maneira que os outros são, a fazerem ruídos com os olhos (eu ouço sempre os ruídos dos olhos e põe-me louca, porque nada tem de semelhante com o som da chuva na vidraça, a força).
A força da chuva na vidraça, aquilo espantava-me, porque estava lá fora, e eu numa manta com uma tia a olhar por mim não fosse a menina magoar-se. Nunca fui de me magoar, mas mesmo assim, vai-se lá saber. Nunca fui de me magoar, e quando deixaram de olhar por mim, eu tornei-me numa pedra, porque não havia mais manta e não havia mais chuva na vidraça mas agora chuva no cabelo, na dobra das calças. E o pão com manteiga eu que o fizesse.
Não sei da tia, é estranho como perdemos as pessoas, num dia o corpo a abraçar-nos, noutro frio, calado. E ninguém a dizer-nos a verdade, a sussurrar por portas encostadas. E agora eu uma pedra, com medo do que os outros vão achar dos meus caracóis, acha bem tia? Talvez não seja assim tão pedra mas mais lama, com medo de crescer, com um medo de morte de envelhecer, ser a tia de alguém (difícil, porque falta-me a sua destreza de mãos) e depois o meu corpo frio, calado. E só um sussurro onde eu antes estava.

4 comentários:

Suu disse...

Eu nunca me vou aborrecer, alias, aborrece-me as saudades que tenho tuas *

Always.

Anónimo disse...

não gosto

Anónimo disse...

desculpa, tava frustrado. Escreves bem.

" disse...

a maturidade que nos atinge e com ela a comodidade e a adultice que nos torna lama.

ideal se para os tempos de catrais retornassemos, as doces saudades de ser o doce nos olhos da familia.