As páginas do livro coladas nos cantos, e um gato a passear-se,
A queixar-se com os olhos mal abertos e mal fechados,
O sol no pêlo, e tanta melancolia nos passos.
E as páginas do livro coladas, e as palavras escondidas umas nas outras,
E a tua voz dentro da minha cabeça,
E a minha cabeça a expulsa-la sem força, sem vontade alguma.
E a lembrança da tua forma de sorrir – não o sorriso, porque o sorriso é só para os pirosos –
A encher-me os olhos,
E os olhos a esvaziaram-me o peito.
E eu a dizer-me
- A saudade hoje aperta mais.
E a saudade a fazer por isso, a tua voz rouca dentro da minha cabeça e eu a querer descolar as páginas, e as paginas a rirem-se de mim.
E a tua voz que nem parecia tua a beber-me o sangue,
E o gato a ligar-me nenhuma,
O telefone mudo a queimar-me a verdade,
A verdade que fugiu sem dizer,
E tudo só para dizer que
- A saudade hoje aperta mais
Onde não devia, a quem não merecia.
Nos opostos do planeta Terra (ainda é o teu?)
Tu e eu, sem nunca nos tocar,
Só de vez em quando, a olhar sem ver.
E o gato a espreitar-me como quem não quer a coisa,
A afiar as unhas.
E a rouquidão da tua voz a afiar-me a alma,
A tau forma de sorrir, (a falta que não consigo por em palavras)
A tua forma de sentar,
Pior, meus deus, a tua forma de pentear o cabelo,
De segurar a caneta.
A tua caligrafia na palma da minha mão,
Uma cruz a dizer para não te esquecer,
Quatro anos e a sombra da cruz a cegar-me.
Quatro anos e o sol a cair, – o por do sol e os girassóis –
Tu a bater-me á janela e o telefone a berrar,
Tu a pedir-me:
- Não deixes que a vida te passe ao lado.
E a vida a passar por ti e eu a vê-la como por um telescópio,
E de repente o gato levanta-se e eu deixo de ser motivo de interesse.
E a merda da página que não se descola.
A tua voz a olhar-me, eu já não me lembro dos acordes, do timbre, mas lembro-me do sabor: o Outono a cair e a praia vazia. A tua voz sabia a Outono quando cai.
A falta que me fazes, o teu peito,
Nenhum outro amor será maior,
Nenhuma vontade vai chegar a ver esta.
As minhas pernas a tremer e tu só ao longe, sem me tocar.
As minhas pernas a deixarem de ser minhas.
A merda da página que não descola.
Os teus olhos, que eu já nem lembro da cor, mas lembro-me da intensidade, a roubar-me o restinho de forças e eu a suplicar-te para te chegares mais perto.
Nenhum amor será algum dia maior.
Quatro anos e as minhas mãos quentes ainda das tuas
- De mais nenhumas, eu juro-te com vergonha, mais nenhumas nas minhas, sempre as tuas –
E eu a ver-te a fugir, o telefone a calar-se, a janela com a persiana. Os girassóis a apodrecerem, cartas no correio azul – que vergonha – e tu a achar-me louca.
E a merda da página descola, e por favor, não me voltes a entrar no corpo. Vens sempre quando a página não descola, quando não há nada na televisão, quando as conversas não fazem sentido. Por favor, não entres mais em mim. Amor nenhum será maior que este que faz a vida passar-me ao lado.
quarta-feira, 25 de março de 2009
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