Se calhar devia começar um livro, fazer de ti um monte de letras e não actos, voltar a cobrir-te com os meus lençóis e não mais tu em cafés com outras. Se calhar devia entregar-me a essa perdição que é a loucura e deixar-me lá ficar. Fazer de ti outra vez meu, como tu nunca o soubeste ser, podia emoldurar-te com descrições de sítios que nunca fomos e pessoas que nunca conhecemos. E depois esquecer-te, para quê que uma mulher deste século precisa de um homem? Esquecer-te sem esta dor que me atrasa a respiração, sem este estado de dormência que me atrasa a fala. Viajar e tu a morrer de ciúmes, no livro, a olhar-me por entre fotografias esquecidas, a querer-me por entre musicas da rádio e eu uma verdadeira heroína, a conhecer o mundo, sem ti a saber-me mal no céu-da-boca, sem o fracasso que tu saíres da minha cama significou e eu nem sei bem explicar porquê. Depois eu pousava as malas de novo no meu quarto e os meus amigos – não estes de hoje, pois estes agora olham-me de uma forma estranha – a sorrirem, a agarrarem-me na manga do casaco, a prenderem-me a cara com as mãos, e tu não mais a pesar-me no orgulho, a fazer-me esquecer quem eu fui e a fazer de mim esta mancha de gente, sem interesse.
Se calhar devia começar um livro onde tu não fosses mais tu mas um homem qualquer que me partiu o coração.
Se calhar devia começar um livro onde tu não fosses mais tu mas um homem qualquer que me partiu o coração.