quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Mensagem 263


Se calhar devia começar um livro, fazer de ti um monte de letras e não actos, voltar a cobrir-te com os meus lençóis e não mais tu em cafés com outras. Se calhar devia entregar-me a essa perdição que é a loucura e deixar-me lá ficar. Fazer de ti outra vez meu, como tu nunca o soubeste ser, podia emoldurar-te com descrições de sítios que nunca fomos e pessoas que nunca conhecemos. E depois esquecer-te, para quê que uma mulher deste século precisa de um homem? Esquecer-te sem esta dor que me atrasa a respiração, sem este estado de dormência que me atrasa a fala. Viajar e tu a morrer de ciúmes, no livro, a olhar-me por entre fotografias esquecidas, a querer-me por entre musicas da rádio e eu uma verdadeira heroína, a conhecer o mundo, sem ti a saber-me mal no céu-da-boca, sem o fracasso que tu saíres da minha cama significou e eu nem sei bem explicar porquê. Depois eu pousava as malas de novo no meu quarto e os meus amigos – não estes de hoje, pois estes agora olham-me de uma forma estranha – a sorrirem, a agarrarem-me na manga do casaco, a prenderem-me a cara com as mãos, e tu não mais a pesar-me no orgulho, a fazer-me esquecer quem eu fui e a fazer de mim esta mancha de gente, sem interesse.
Se calhar devia começar um livro onde tu não fosses mais tu mas um homem qualquer que me partiu o coração.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Mensagem 262




Só agora percebi a complexidade da vida. Tudo o que temos como certo, até o que não é certo mas eternamente garantido com quem nós somos – não o que temos – mas o que somos nas entranhas, no momento das reacções, até isso altera-se.
E é no dia em que acordo e não reconheço um valor em mim, do que eu fui, quis ser e do que eu prometi nunca ser. No meu caso, e falo somente do meu caso, foi numa noite muito fria em que eu me apercebi que tudo o que sou – reparem na dor de não ser “tudo o que tenho” porque o acto de não ter é tão mais remediável do que o de não ser – não era, simplesmente, suficiente. Simples. Que eu posso tentar – e Deus sabe que eu tentei – eu posso lutar, que não muda o facto de eu não ser suficiente. Mas alguém que me diga como é que eu desisto da única coisa que alguma vez quis? Com que cara eu cedo o meu lugar a outros? Como é que eu deixo de pensar
- Foda-se, que raio sou eu?

sábado, 23 de outubro de 2010

Mensagem 261

Tenho um emaranhado de coisas a dizer-te que me sufocam. No entanto, dizer-te és a minha melhor amiga é tristemente infantil mas não é pior que dizer-te és a única amiga que me resta neste mundo, que é, por sua vez, terrivelmente verdade.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Mensagem 260


São duas da manha e eu ligo-te a dizer que me sinto feia que nem um bicho. Tu dizes que eu sou disparatada e eu ouço uma gaja a rir-se no fundo. A culpa é minha, tu vinhas com “cabrão” escrito na testa mas presumivelmente também me devia sentir feia na altura.
Mas o verdadeiro problema da situação não é a gaja que se ri a roncar, ou tu seres um cabrão sempre com a barba por fazer, o problema é que são duas da manha, eu continuo a sentir-me feia e não tenho mais ninguém para ligar no mundo inteiro.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Mensagem 259


Sempre fui eu sozinha, sozinha dentro da minha cabeça e junto da minha família. Sozinha nas decisões e nas mudanças. Sou sozinha no meio da multidão e sozinha no meio dos amigos. Sou sozinha quando acordo na tua cama e sou sozinha quando tu adormeces na minha. Sou sozinha quando alguém me toca e sou sozinha quando alguém me chama.
Não gosto de ser sozinha, estou farta de ser sozinha. Mas como posso eu deixar do ser? O que me falta aprender para sair deste sentimento tremendo de auto-exclusão, de auto-ódio que me consome? Porque esta solidão não é mais um sentimento mas uma acção, um princípio que se tornou constante, e o meu silêncio e o meu não ser ninguém traz-me este frio ao peito e eu quero saber, quero saber agora, o que é que eu faço? Eu quero que o culpado desta minha forma de ser e viver me diga agora - por favor, agora, antes que tanta dor, tanto esquecimento me roube o ar de vez - o que é que eu tenho que fazer?

Mensagem 258


De todos os pesos que eu carreguei ao peito, és tu o mais pesado. De todas as cicatrizes que eu levo no braço, és tu a mais profunda. Porque de todas dores que eu conheci, nenhuma foi maior que a dor tremenda de não ser suficiente. Eu dei tudo de mim e tudo me foi devolvido usado. Repara, não há nada mais em mim. É o mundo todo entrelaçado no meu peito, novelos do que nunca disse, arames farpados do que ouvi. Repara, não há mais nada em mim. De todos os pesos que eu carrego no peito, és tu o que me pesa mais. Qual é a sensação?

sábado, 17 de julho de 2010

Mensagem 257


A tremenda diferença entre ser eu e tu, é que eu sou o papel secundário e tu és a personagem principal. Nunca foi de outro modo e deixei de acreditar que as coisas podem mudar.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mensagem 246

Dá-me o teu dinheiro. Dá-me o teu apartamento em espinho e o carro que o teu avô te deixou. Dá-me as jóias da tua irmã e as pratas que estão em casa da tua mãe. Paga-me as férias a Andorra na Páscoa, a passagem de ano na Madeira e o verão no Algarve. Paga-me a minha roupa e paga-me o cabeleireiro. Paga-me uma redução das orelhas – sabes que eu sempre odiei as minhas orelhas – e um anti-age. Paga-me isto tudo e eu sou capaz de esquecer que estivemos casados vinte e dois anos, vinte dos quais tu pagaste isto a outras cabras.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Mensagem 255


Agora já não sei dizer se o termo foi “ele morreu” ou se “ele faleceu”. É estranho porque sempre pensei que estes tipos de palavras ficassem queimadas no precipício do meu ser. No entanto, não ficou. O que ficou, foi uma cicatriz no meu coração, e pode ser extremo dize-lo, mas juro que é verdade. Uma cicatriz num evidente órgão que bombeia sangue, uma cicatriz maior que ele próprio. E o que não faz sentido é como é que uma palavra pode doer num órgão? Mas se formos a ver bem as coisas, tu também eras, no fundo, só um conjunto de pele, órgãos, sangue e músculos comandados por um cérebro, contudo e indo para além do óbvio, o cheiro da tua decomposição nos lençóis nunca conseguiu vencer o cheiro do teu cabelo na fronha da almofada, e ambos doem-me no coração, numa dor igual e absoluta.
E isto tudo, porque hoje, quando acordei, lembrei-me do gatinho que tínhamos que morreu ainda pequenino no escritório. Ficamos a noite toda acordados para ele não morrer sozinho e quando ele deixou de respirar eu encostei os meus dedos ao peito dele para sentir o bater do coração, e ainda batia, o gatinho não respirava mas o coração ainda batia. Ainda depois de o coração deixar de bater eu sentia-o tremer debaixo da minha pele. Por vezes, eu ainda sinto o bater do coração dele nos meus dedos, como um relógio que funciona sabe lá deus de quê.

domingo, 4 de julho de 2010

Mensagem 254


Tu mudaste o meu conceito da casa, o que significa ser amado. Tu fizeste isso tudo por mim. E se em mim se acabar a voz para te dizer todas as feridas que lambeste, todos as manhas de quintas-feiras que apagaste, não te esqueças do abismo infinito que em mim viste abrir e mesmo assim a fenda que em mim tapaste.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Mensagem 253


Quando o amor acaba – o amor, não a relação, não falo do acto de cortar o cordão umbilical mas a morte do cordão em si – tudo o que aconteceu torna-se um sacrifício sem sentido, as pessoas que amamos – sejam elas o nosso primeiro amor, a grande amiga ou o gajo que nos deus boleia sexta-feira – tornam-se, de repente, os culpados pela ausência do nosso sucesso.
Isto é, o amor tem a selvagem capacidade de nos fazer sentir não uma pessoa mas duas, mas a extinção do mesmo – e partindo do pressuposto que todo o tipo de amor acaba de uma forma ou de outra – tem a subtil capacidade de nos fazer ver o que teríamos sido sozinhos.
Será então justo afirmar que os actos de amor são, a longo prazo, desprovidos de sentido? Será justo afirmar que tudo o que eu fiz por ti, tudo aquilo que eu acabei por desistir ou tive que forçadamente encontrar por ti, não me trouxe nada de bom?

domingo, 20 de junho de 2010

Mensagem 252


Três meses. É a morte de um amor que se prometeu eterno em três meses, no banco da frente do carro, numa esplanada na Boavista. São outras pessoas a darem-me a mão e outras a acenderem-te o cigarro. E a chama a iluminar-te os olhos e depois noite escura outra vez.
Três meses de telefonemas tardios e silêncios de dias seguidos. A janela do teu quarto embaciada e eu sem saber o que estou ali a fazer, tu a mostrar-me uma cadeira e desde quando é que o teu quarto é tão frio?
Três meses e excertos de cartas antigas no e-mail e chaves debaixo da cama, esquecidas.
E eu ao telefone:
- Como vai a tua vida?
Como uma qualquer. E eu, realmente, uma qualquer, de mão dada com outro. Três meses em cascata, eu presa em ti a acenar-me do outro lado da vida. E, de repente, saudades, tantas saudades. Mas de quê? Se eu de mão dada com outro e tu ao volante a pedir para te acenderem o cigarro.
Três meses que enterraram cinco anos, e eu ao telefone:
- Pois, e com quem vais sair hoje?

terça-feira, 15 de junho de 2010

Mensagem 251


Eu queria que fosse para mim esse beijo, esse jeito de cara. Eu gostava que fosse meu esse silêncio, esse sim, esse adeus mal sentido.
Eu queria como meu esse acordar, o lençol da tua cama e o leite na taça. Eu queria que fosse minha essa ironia, o timbre da tua voz. Eu queria que fossem meus os dedos que se entrelaçam nos teus. Por uma vez nesta vida, eu queria que fosse eu.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Mensagem 250


E então eu desci a rua. Sabes que todas as saudades não são suficientes. O terror que eu tenho de tu me deixares serve-me de alimento durante semanas. E como se eu fosse um feto, eu ando às voltas no útero de ninguém, em circunferências de mim própria. O porquê de eu vir sempre aqui ter, a este estado de dormência, como se um camião me tivesse passado por cima, ultrapassa-me. Como as lembranças tuas queimadas na minha retinha, tu a morder uma laranja e era o quê, Verão ou Outono? A dançarem à minha volta, a prenderem-me ao que eu sou. E eu odeio-me, eu odeio-me, eu odeio-me. Gosta de mim, gosta de mim, gosta de mim. Por favor.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Mensagem 249


Os corações partidos que se levantem. Que estiquem os dedos tortos e encontrem um corrimão. Porque, meu amor, tu disseste:
- Era incapaz.
E sete anos depois eu admito: o amor tem prazo de validade.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Mensagem 248


Terça-feira, finais de Junho. Estávamos os dois na banheira e eu estava a fazer a mim própria uma barba com a espuma. Tu estavas a enrolar um cigarro com cuidado para não o molhares. Foi mais ou menos aqui que tu me prendeste com os olhos e então enquanto acendias o cigarro:
- Estou com uma erecção no coração.

domingo, 9 de maio de 2010

Mensagem 247


Os sonhos só tem dois finais possíveis. O primeiro é nunca passarem disso, serem uma decepção cerrada, uma obsessão de um tempo de uma vida. O segundo é tornarem-se reais, e é aqui que reside o verdadeiro problema, porque os sonhos deixam de ser sonhos mas tornam-se fome por mais, e por vezes, os sonhos tornam-se pesadelos.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Mensagem 246


Não amar os outros, é um crime de natureza pequena, o amor não pode, ou deve, ser obrigado. É instantâneo e feroz.
Mas ser o outro não amado, aquele que guarda as mãos nos bolsos, é um crime de natureza tremenda. Ser o outro, o que dá e não recebe de volta, é de uma crueldade injusta, é conhecer o amor onde ele somente sabe doer.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Mensagem 245

My name is Salmon, like the fish. First name: Susie. I was 14 years old, when I was murdered on December 6th 1973. I was here for a moment, and then I was gone. I wish you all, a long, and happy life.
There was one thing my murderer didn't understand; he didn't understand how much a father could love his child.
You are beautiful, Susie Salmon.

Mensagem 244


Poderá haver tristeza maior que esta? Poderei eu, algum dia, expressar de forma exacta a sombra dentro da minha alma? Poderei eu, algum dia, deitar-me perto de ti num dia de sol, e nada dentro da minha cabeça, não mais estas vozes, não mais estes medos? Poderei eu algum dia, lavar da pele esta mancha que apareceu sem motivo, sem dono, mas mata-me aos poucos, pior, mata os outros que se chegam a mim. Cada vez menos, esses. Como se os outros cheirassem o meu mal à distancia. Poderá, diz-me, haver tristeza maior que esta? Com tantas vozes na minha cabeça e a solidão a pesar o ar à minha volta. Poderei eu, algum dia, deitar-me do teu lado?

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Mensagem 243


Se tu nunca me amaste então eu nunca fui amada nesta vida.

domingo, 2 de maio de 2010

Mensagem 242


Tu mudaste a minha vida e depois meteste-te num avião. Disseste-me um adeus aos pontapés e eu fiquei no mesmo sitio durante duas horas. Dizer-te que roubaste a melhor parte de quem eu fui, é dizer de forma breve a maior verdade de todas. De eu a procurar por ti nas ruas em que passamos, de eu a procurar por ti nos livros que leste, de eu procurar por ti nas tuas fotografias. Eu a descobrir que o amor dói de forma parva, a comer-nos de dentro para fora, canibal, esfomeado. O amor a comer-te a ti, as pequenas lembranças tuas, a devora-las. O teu perfil, as tuas mãos, as tuas orelhas, a tua voz, os teus olhos a prenderem os meus. Tu a mudares a minha vida, e a dizer que o contrário é que era verdade. E eu espantada por alguém conseguir gostar de mim, dia após dia, ás vezes estranho, desconfortável – e então nós a mexer-nos no sofá, a mexer o café, a dobrar os guardanapos – ás vezes tão certo que verão no inverno.
E depois tu num avião e o mundo a encolher, eu uma merda outra vez. E o mundo minúsculo, abafado, e o amor a comer-me viva. Eu mulher mas sem espaço para o ser. O mundo a encolher sobre mim, e tu dentro de um avião. Se morreres eu nunca hei-de saber. Se morreres nada mudará aqui. Nas ruas que passamos, nos livros que leste, nas tuas fotografias.
Tu mudaste a minha vida, a visão que eu tinha de mim e depois meteste-te num avião. Um adeus pelo telefone e eu a chorar. Tu a chorar. Que horas eram que ainda era de noite? Noite. E o amor com que me deixaste a arrancar-me os órgãos, a cegar-me. E eu não mais um ser humano, eu lixo, toda a gente a olhar-me sem me ver, eu invisível, e os dentes deles a sorrirem-me e tu, tu dentro de um avião. Tanto amor que me deixaste, e o amor enraivecido, não ciúmes, raiva, ódio, a ferver dentro do meu estômago. A queimar-me o esófago. E eu a vomitar outra pessoa, a chorar no chão da cozinha. Talvez tu não te tenhas metido num avião e estejas no teu apartamento, talvez tu voltes amanha, para a semana, daqui a um mês, para o ano. E um silencio de domingo a ecoar-me no vazio do corpo. O amor em forma de ódio, não voltes, ninguém te quer também. O amor a matar a mulher que conheceste. Já não existe, existo. Não sou nada, não sou ninguém, um buraco negro em forma humana. Só perda em mim. Ninguém me quer também. E tu dentro de um avião. E o amor a comer-me de dentro para fora, a comer quem se senta ao meu lado, a envenenar o ar que respiro. Eu invisível, e depois eu velha. E se calhar tu morreste dentro de o avião e eu viúva de ninguém. Quando tu te foste embora, todos os dias eu sinto que a parte maior de mim foi contigo. Por favor, por favor, devolve-a.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Mensagem 241


E se eles vierem de dentes e punhos em força,
A atormentarem-me o sangue nas veias, a inquietarem-me as palavras na boca,
Que as minhas pernas nunca percam a força,
E que os meus ouvidos nunca temam nada.
Se eles vierem, com a maldade cravada nos olhos prontos a calcarem-me os sonhos,
Eles que venham de uma vez,
Que medo não mata mas suicida,
E eles não me querem de forma alguma,
Eles não me aceitam de forma alguma.
E se eles vierem ao pousar do dia, de dentes e punhos em força,
Que me arranquem os pulmões, que me queimem a pele.
Porque mesmo que meu sangue na mão deles, nunca deles será.
Porque mesmo que eu caia, que eu fique para trás,
Nunca terão de mim um sorriso,
Um favor feito.
E se eles vierem de dentes e punhos em força,
Com a pergunta de quem sou eu,
Eu nunca responderei que deles,
Sempre eu, nunca vossa.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Mensagem 240


E a mãe a ajeitar-me a colcha com uma voz que perdeu o hábito a dar-me um beijo de boa noite,
- até amanha mãe,
Quando a senhora estiver velha e eu velha, as duas velhas, imagina?,
Você mais pálida, de dedos nos joelhos a embalar-se no passar das horas,
Como a nossa gata mãe, à procura do sol, a rebolar-se no chão e com os olhos perdidos no perder do dia.
E eu a aparecer-lhe à frente de tatuagem no pescoço a mãe com as mãos na cabeça, mas mesmo assim, indiferente, já velha, creio eu, mas eu ainda nova a fazer-lhe uma inveja orgulhosa, creio eu.
As suas rugas, senhora minha mãe, apareceram de repente, primeiro nas mãos e depois a cegarem-lhe os olhos, os seus olhos – que de todos que eu olhei foram os únicos que consegui ver o fundo, que de todos que eu olhei nunca amei outros mais – castanhos escuros a cegarem-me os gestos. E os meus gestos idênticos ao seus, ao acenar e ao ler.
Mas o seu sorriso nunca envelheceu, sempre o mesmo sem uma ruga a mais ou um tremer que
- Nunca antes tinha reparado.
Eu e a senhora um dia seremos velhas, consegue imaginar?, e talvez aí eu admita que tinha razão sobre este dia, ou eu e a senhora velha e eu num canto e você noutro, espelho de nós agora.
Mas, mãe, quem diria, olhos nenhuns como aos seus a fitarem-me do outro lado da mesa, aos pés da cama, e eu a ver neles aquilo que deixou por dizer,
- até amanha mãe.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Mensagem 239

Prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias na nossa vida, até que o tédio nos separe.

Mensagem 238


Que burra que eu fui,
Sem saber como te falar, por que lado me aproximar.
Que burra que eu fui,
A rastejar nas calçadas como forma de me lamber as feridas.
Os segredos que nunca me disseste levo-os para a vida,
De ti, o único que eu realmente alguma vez quis tocar
Mas nunca me deixou chegar.
Os segredos que guardavas nos contornos dos olhos levo-os para a vida,
Dentro do peito.
Dentro do corpo, e quando eu morrer, eles serão dos filhos meus que nunca teus.
Levava-os para o caixão, meu prometido, mas que forma ele teria, para caber-mos os dois?
Ele que tenha uma forma igual aos demais, para nunca ninguém julgar as cicatrizes que a minha pele esconde.
Ele que tenha a tua forma, para então me abraçares uma vez para sempre.

terça-feira, 23 de março de 2010

Mensagem 237


E exactamente antes de te afogares recordaste-te do sabor dos fins de tarde dos domingos. Exactamente antes de te afogares, viste reflectida no espelho a imagem da tua irmã, quando ainda era nova e vivia em casa dos teus pais. A luz dos faróis do carro a entrar pela janela e tu a correres para a porta. As saudades que tiveste senti-as eu nos teus braços, no devagar que eles tomaram aos poucos, a luta que decidiste perder, quando já não eras uma criança mas viste-te no meio de pessoas que nunca te quiseram bem, o teu pai com uma mala na mão – as costas do teu pai a baterem a porta -, quando viste o teu nome na pauta e um reprovado, viste-me a mim a empurrar-te a cabeça. Podia dizer que estou arrependida, mas estaria a mentir.

sábado, 13 de março de 2010

Mensagem 236


E então se morreres como prometeste dentro do meu útero, leva contigo o que eu não posso carregar.
E então, se morreres, leva contigo a cor dos meus olhos e faz com ela o que quiseres, mas não a deixes só. Não a percas para dentro de uma garrafa. Para dentro de outro corpo que não este que te ofereço. E quando eu morrer falas comigo de vez em quando? Para a tua voz me guiar pelos planaltos que a morte me reservar.
E se eu morrer dentro de ti, do teu corpo de homem, fechas-me os olhos sem cor e agarras-me a mão uma última vez? Não tenho medo de em ti morrer, porque não será morte, mas o renascer de tanto amor, de tanta raiva. E se o meu sangue secar carregas-me o nome nos teus lábios? Porque eu nada mais aqui deixo. Só tanto amor, tanta raiva que em mim carrego.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Mensagem 235


E de repente, é tarde de mais. E de repente, tu não estás mais debaixo dos lençóis, a puxar-me a almofada e é manhã mas as persianas estão fechadas, e é sábado e eu estou a jantar sozinha. E é manha outra vez e eu tenho frio, eu disse-te que tinha frio sem ti?, eu disse-te que a pele dos teus pés é áspera? Fazem-me lembrar as mãos do meu pai quando ele segurava nas minhas. Aos domingos de manha, com o Douro a passar-nos ao lado, a esquecer-se de quem nós somos e de que ele é nosso.
E de repente,
- É tarde de mais.
E eu, que parvoíce, a pedir-te para ficares. Agarrada aos extremos de que nós fomos, a atirar-te à cara os nossos primeiros dias, a primeira vez que fomos o que já não somos – e se o fomos alguma vez, como o deixamos ir?,
E depois tu bateste a porta e a fechadura caiu com a força, eu berrei-te da janela, que parvoíce vês?, e tu entraste no carro. Tu voltaste duas semanas depois, eu encontrei-te cá em casa com duas malas semi-cheias em cima da cama, a explicar que encontraste a porta aberta,
- Tu fodeste a fechadura.
Tu a encolher os ombros, como quem não quer saber – mas a porta também ainda é tua, sabes? Sinceramente, tudo aqui ainda é teu, e não, não penses que é, com duas malas de merda que levas tudo – fizeste da tua roupa um monte que atiraste para dentro da mala, levaste as tuas garrafas de wiskey que guardávamos debaixo da cama, a tua escova de dentes e a lâmina de barbear. Fizeste tudo isto sem olhar para mim, sem parar ao meu lado. Eu segui-te pelo corredor de volta ao quarto, depois até ao quarto de banho nos fundos, de volta ao corredor onde reviraste as gavetas do móvel que a minha tia me deu, e depois ao quarto. Todo o tempo em que te segui as costas não me pareceu real, até que ponto a loucura me tomou de arrasto. Quando fechaste as malas:
- Cheira mal. Tudo cheira mal, o quarto e a sala. Até o elevador lá fora cheira mal. Cheira aos dias seguidos que nos fechamos aqui dentro, sem ver o sol sem ver uma pessoa. Cheira aos dias em que tu queimavas o pão, foda-se tu queimavas sempre o pão, ou cheira como daquela vez que queimei o cortinado com o cigarro. Cheira a ti sobre mim, sempre sobre mim, ao vapor do banho. Cheira mal, não sentes?
Os teus pés são ásperos. O teu cabelo sabe a verão. Tens um sinal na parte detrás do pescoço e outro na parte de dentro da anca. São exactamente do mesmo tamanho. Exactamente.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Mensagem 234


O pior de tudo é começar a esquecer-me. As memórias a fugirem-me pelos cotovelos e as tuas garras nas minhas costas. Os teus dentes no meu pescoço, e quem sou para te fazer parar? Se o meu coração em silencio. Quem sou eu para te calar um suspiro se eu cega de ti. No meu fim que se aproxima a passos largos, num tremor de terra que acontece agora, debaixo dos meus pés, sobre o olhar daqueles que esperam do outro lado, com um pé neste mundo e outro no ar. Os teus dentes no meu pescoço e a terra a tremer, mas quem sou eu para te pedir para parar? Se o que quero é mais, mais de ti. O pior, são as memórias a fugirem-me, e um dia eu acordo e não sei mais o que é os teus dedos a afastarem o meu cabelo e todos os olhos postos em nós, daqueles que esperam por nós lá no fim do mundo, entre a lama e o algodão, lama dos corpos, da carne, que ficou esquecida neste mundo, e o algodão que a enchia.
As tuas garras a marcarem-me as costas, e na manha seguinte o teu nome em cicatriz.
O meu fim a chegar e eu sem me importar porque tu do meu lado (a ajeitar-me a almofada a tua mão no meu estômago) e a vaga lembrança de sermos jovens e o mundo ser redondo, por isso, para que importar, se tudo acaba por voltar ao mesmo sítio (tu a apagar a luz da cabeceira quando eu peço, a pentear-me o cabelo com os dedos). O pior de tudo é a escuridão que enche agora o nosso quarto, é saber agora que o mundo é quadrado, e os olhos daqueles que nos esperam cada vez mais próximos, não tenho medo mas, por favor, liga a luz da cabeceira. Não tenho medo porque levo o teu nome nas minhas costas, os teus dentes no meu pescoço. Nunca esta vida seria minha sem a tua mão a tocar na minha. Não tenho medo do fim que chega, mas esta escuridão preocupa-me, porque não ligas a luz da cabeceira?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Mensagem 233




O acto de esquecer deveria ser selectivo.

Mensagem 232


Só quando a luz se apagou é que eu consegui ver os contornos dos pormenores da tua cara.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Mensagem 231


Eu disse-te
- Amo-te.
E pela primeira vez, no tempo da minha vida, eu hesitei. Não por ser mentira - como poderia algo tão claro ser mentira? – mas por saber-me mal no céu da boca. Pela primeira vez no tempo de uma vida eu não soube como me agarrar a ti, conhecer-te as falhas dos ombros, o cheiro do cabelo. Tenho medo do que vem aí, sem ti.
A ironia da vida, hã?

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Mensagem 230


Tentar definirmo-nos pelas memórias que temos nunca é suficiente. Eu disse-te isto uma noite no teu carro, tu passaste a mão no vidro embaciado, giraste a chave e disseste:
- Pois não deve ser.
Foi a última vez que te vi. Foi das últimas vezes que falamos. Por vezes ainda penso em ti, na dor que me deixaste. O que eu te queria dizer é que já não eras nenhuma criança e que não podias deixar-te andar. Que se envelheceste e os teus amigos já não te ligam como antes, não faz mal. Não fazia mal.
Tu nunca entendeste e mesmo assim ficou tanto por dizer. Deixa-me adivinhar, fugir não foi solução?

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

mensagem 229


Esta casa já não e a minha, apesar das mesmas paredes e da mesma rua.
Em vez de ti, só o teu cheiro nas gavetas, nas fronhas das almofadas,
Em vez de ti uma foto tua aqui e ali, a tua imagem enquanto decoração e não enquanto parte de mim.
Esta casa já não é minha, leva-a contigo.
Mete-a ao bolso.
Que eu não sei o que é de mim, o que é de ti.
Como foste capaz de me fazer tão mal?
Imagino-te ainda lá em cima a abrir as persianas,
A deixar a cozinha uma bagunça.
Esta casa já não é minha, tira-a de mim, aperta o gatilho.
Como é que tu foste capaz de me fazer tão mal?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Mensagem 228

A ânsia de ser suficiente para os outros é audível no timbre da voz, no gesto de encolher os ombros ou de pegar num grafo. Nota-se na forma de fazer amor ou até de dizer “olá”. Mas acima de tudo, a ânsia de ser suficiente para os outros é uma forma de os afastar.
E eu podia dizer que aprendi isso por experiencia prórpia, mas, por acaso, aprendi ao olhar para os outros.

Mensagem 227


Dizer que foste a única pessoa que amei é uma forma singular de dizer que nunca amei mais ninguém. Que é, logo, provar que nos últimos anos não fiz mais que mentir. Mas sendo assim, por favor, ajuda-me a descobrir o porquê de me faltar o ar quando todos os outros me deixam.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

but sometimes, I still need you

As piores memórias são das pessoas que mais amamos. O momento em que me deixaste sozinha à mesa do café. Nunca te vi assim, daquele ângulo, nunca te ouvi assim:
- Que mais queres de mim?
E tu a saberes a resposta, e eu saber que a pergunta ia para além daquilo. Nunca nada pior que as memórias venenosas daqueles que amamos, que um dia impostas, apagam todos os bons anos. Aquele:
- Que mais queres de mim?
A ocupar o espaço de ti nos meus lençóis e aos poucos eu a esquecer-me que nunca ninguém como tu, mais que tu.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

see you later

A pior mentira é aquela que achamos verdade. Como a nossa infância passada de mão dada. A minha paixão por ti foi avassaladora, um tornando, um tremor de terra. Mas falar dela é como acordar com o cabelo rapado. Não sei muito bem até que ponto tu não és uma doença em mim mas mesmo assim tenho que admitir as saudades tuas, do sol na tua pele, e a tua pele na minha. Não sei muito bem até que ponto tu não foste a pior coisa que me aconteceu nesta vida.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

comes but never goes around


Nas noites em que não estás, é uma dor profunda, amar torna-se um sacrifício, porque por mais que eu faça não te sou, ou fui alguma vez, suficiente. Amar é um acto de egoísmo puro, que de tão puro se torna altruísta.

...Se arranjares forma de o fazer, liga-me. O número é o mesmo.

Toda a gente tem um mau momento. Estes dois últimos anos foram o meu. Desculpa - do fundo de mim - ter-te usado pelo caminho.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

From your love,

Estávamos todos muito felizes, a fazer o que as pessoas da nossa idade e do nosso tipo fazem no cinema, estás a ver? Quando ela apareceu. Não gostei nada dela, porque primeiro, não gosto de loiras e segundo não gosto de loiras perto de ti. Tu mudaste logo o peso para o lado direito – eu sei que achas que é o teu melhor lado, mas sinceramente eu gosto dos dois igual, o que eu gosto mesmo, se queres realmente saber, é quando estás a ler concentrado com os óculos postos – e foste ao bolso buscar as mortalhas. Não gostei nada dela, e como somos mulheres, ela também não gostou nada de mim. Depois de dares a primeira passa, olhaste para ela e perguntas-te com aquela voz que eu já conheço bem:
- Queres?
Logo tu que nunca ofereces nada a ninguém, eu virei a cara, mas depois pensei “não” e olhei-a bem nos olhos, e como somos mulheres, ela passou a mão pelo cabelo e:
- Obrigada.
Fiquei à espera que ela tossisse, mas não, claro, gajas destas nunca tossem.

mensagem 221

Deitei-me por cima do teu edredão e deixei-me ficar, não sei quanto tempo passou. Na verdade, ainda sinto que estou lá. Em cima do teu edredão a olhar para as formas do fumo de um cigarro mal apagado. É disto que eles falam, quando falam em amores perdidos.

sad, sad

O amor prova-se nos maus dias. E no teu mau dia, quando a vida te deu um estalo, tu não pegaste no telefone para me ligar, tu não correste para debaixo de mim. A maior dor de todas é a hostilidade de saber que amamos de corpo todo quem nem se lembra do nosso nome. E por fim saber que, provavelmente essa é uma das razoes para amarmos tanto.

domingo, 3 de janeiro de 2010

H e B - 2009


Eu juro-te, eu ouvi as tuas entranhas a tossir, a chorar. O amor é um filho da puta quando aqueles que amamos nos morrem na alma. E a morte é a puta. Eu queria ver-te uma última vez, a ti, não ao teu corpo frio. A ti a seguir-me com os olhos. Não os teu olhar fixo numa fotografia. A ti a procurar-me a cara, não eu com medo de te tocar. Medo de te tocar. Realmente, não entendo. Todo o meu corpo ouviu as tuas entranhas a tossir, mesmo com o barulho da chuva, o teu cheiro nas minhas mãos, a tua ausência nos objectos, nos cantos da casa. A tua ausência no teu corpo. Nenhuma ausência se compara aquela que a morte obriga, nenhuma saudade se compara aquela que a morta obriga.