sábado, 27 de fevereiro de 2010

Mensagem 234


O pior de tudo é começar a esquecer-me. As memórias a fugirem-me pelos cotovelos e as tuas garras nas minhas costas. Os teus dentes no meu pescoço, e quem sou para te fazer parar? Se o meu coração em silencio. Quem sou eu para te calar um suspiro se eu cega de ti. No meu fim que se aproxima a passos largos, num tremor de terra que acontece agora, debaixo dos meus pés, sobre o olhar daqueles que esperam do outro lado, com um pé neste mundo e outro no ar. Os teus dentes no meu pescoço e a terra a tremer, mas quem sou eu para te pedir para parar? Se o que quero é mais, mais de ti. O pior, são as memórias a fugirem-me, e um dia eu acordo e não sei mais o que é os teus dedos a afastarem o meu cabelo e todos os olhos postos em nós, daqueles que esperam por nós lá no fim do mundo, entre a lama e o algodão, lama dos corpos, da carne, que ficou esquecida neste mundo, e o algodão que a enchia.
As tuas garras a marcarem-me as costas, e na manha seguinte o teu nome em cicatriz.
O meu fim a chegar e eu sem me importar porque tu do meu lado (a ajeitar-me a almofada a tua mão no meu estômago) e a vaga lembrança de sermos jovens e o mundo ser redondo, por isso, para que importar, se tudo acaba por voltar ao mesmo sítio (tu a apagar a luz da cabeceira quando eu peço, a pentear-me o cabelo com os dedos). O pior de tudo é a escuridão que enche agora o nosso quarto, é saber agora que o mundo é quadrado, e os olhos daqueles que nos esperam cada vez mais próximos, não tenho medo mas, por favor, liga a luz da cabeceira. Não tenho medo porque levo o teu nome nas minhas costas, os teus dentes no meu pescoço. Nunca esta vida seria minha sem a tua mão a tocar na minha. Não tenho medo do fim que chega, mas esta escuridão preocupa-me, porque não ligas a luz da cabeceira?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Mensagem 233




O acto de esquecer deveria ser selectivo.

Mensagem 232


Só quando a luz se apagou é que eu consegui ver os contornos dos pormenores da tua cara.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Mensagem 231


Eu disse-te
- Amo-te.
E pela primeira vez, no tempo da minha vida, eu hesitei. Não por ser mentira - como poderia algo tão claro ser mentira? – mas por saber-me mal no céu da boca. Pela primeira vez no tempo de uma vida eu não soube como me agarrar a ti, conhecer-te as falhas dos ombros, o cheiro do cabelo. Tenho medo do que vem aí, sem ti.
A ironia da vida, hã?

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Mensagem 230


Tentar definirmo-nos pelas memórias que temos nunca é suficiente. Eu disse-te isto uma noite no teu carro, tu passaste a mão no vidro embaciado, giraste a chave e disseste:
- Pois não deve ser.
Foi a última vez que te vi. Foi das últimas vezes que falamos. Por vezes ainda penso em ti, na dor que me deixaste. O que eu te queria dizer é que já não eras nenhuma criança e que não podias deixar-te andar. Que se envelheceste e os teus amigos já não te ligam como antes, não faz mal. Não fazia mal.
Tu nunca entendeste e mesmo assim ficou tanto por dizer. Deixa-me adivinhar, fugir não foi solução?

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

mensagem 229


Esta casa já não e a minha, apesar das mesmas paredes e da mesma rua.
Em vez de ti, só o teu cheiro nas gavetas, nas fronhas das almofadas,
Em vez de ti uma foto tua aqui e ali, a tua imagem enquanto decoração e não enquanto parte de mim.
Esta casa já não é minha, leva-a contigo.
Mete-a ao bolso.
Que eu não sei o que é de mim, o que é de ti.
Como foste capaz de me fazer tão mal?
Imagino-te ainda lá em cima a abrir as persianas,
A deixar a cozinha uma bagunça.
Esta casa já não é minha, tira-a de mim, aperta o gatilho.
Como é que tu foste capaz de me fazer tão mal?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Mensagem 228

A ânsia de ser suficiente para os outros é audível no timbre da voz, no gesto de encolher os ombros ou de pegar num grafo. Nota-se na forma de fazer amor ou até de dizer “olá”. Mas acima de tudo, a ânsia de ser suficiente para os outros é uma forma de os afastar.
E eu podia dizer que aprendi isso por experiencia prórpia, mas, por acaso, aprendi ao olhar para os outros.

Mensagem 227


Dizer que foste a única pessoa que amei é uma forma singular de dizer que nunca amei mais ninguém. Que é, logo, provar que nos últimos anos não fiz mais que mentir. Mas sendo assim, por favor, ajuda-me a descobrir o porquê de me faltar o ar quando todos os outros me deixam.