domingo, 23 de dezembro de 2007

Fala devagarinho
Porque a tua voz já não é a mesma
Leva-me para longe deste campo de guerra,
Que eu já perdi as mãos e as pernas.
Leva-me para longe desta cidade governada por fantasmas e lendas
Leva-me para perto de ti ou de alguém que signifique o mesmo que tu
Fala devagarinho
Porque a guerra levou-te a melodia das vogais
Leva-me para junto delas.
Leva-me para outros dias e outros sons,
Porque as explosões levaram-me a audição e a visão
E eu não sei quem sou, eu sou ninguém e ninguém me protege.
A guerra levou-me o pai e a mãe,
Leva-me para junto deles e adormece-me com as cores que eu já não distingo.
Traz-me a poesia que escondeste no teu bolso.
Eu preciso de rimas e palavras mudas. Traz-me o arco-íris que escondeste nas veias.
Protege-me desta guerra que dura á séculos.
Protege-me desta guerra que me tirou a serenidade.
Olha para ti, endoideces-te! Olha para ti, olha para nós.
Fala devagarinho que eu já não te entendo. Olha-me, eu sou cega e muda.
Eu sou de ninguém porque eu nada sou.
Não tenho pernas nem mãos, mas o meu coração continua aqui, a bater-me na boca.
Ele não cessa. Ele não se cala. Eu rezo, mas ele não se cala.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007




Que cidade tens construído?
Que mar tens enchido?
Que ruas tens consumado?
Eu sei que não entendi, mas hoje eu vi.
Eu sei que não me apercebi
Mas depois eu vi.
Vou continuar com a minha vida.
Passou um ano e tu não voltaste
Foi um ano de espera, não de solidão, mas de espera
Foi um ano com o ouvido preso à campainha,
Com ansiedade nos ponteiros
Foi um ano.
E tu não estás cá.
Há um ano atrás, eu não me veria aqui sentada ainda a escrever por ti.
Para ti.
E tu, analfabeto das minhas palavras.
O que me dói não me é
Aperceber que tu nunca soubeste o que acontecia dentro de mim quando te via
Mas sim,
Que tu nem as coisas que eu por dentro não fazia,
Tu sabias, tu reparavas
Entendes?
Faço lógica no teu mundo?
Ou a minha língua é diferente da tua,
Como o chinês do português?
Como o divino do terrestre?
Um ano, e tu não voltaste.
Tanto tempo que tiveste, que já nem desculpas consigo arranjar
Tanto tempo
Vou continuar com a minha vida.
Pegar-lhe na mão e reapresentar-me.
Pois ela já me esqueceu.
Já foi há um ano a última vez que lhe dirigi a palavra
Há um ano, não me via aqui, onde estou.
Há um ano não me via assim, como sou.
Doente.
Distante.
Há um ano eu não era quem sou.
Não era melhor nem pior, não era eu.
Quem sou eu, afinal?
Antes era quem tu eras.
Antes eu vinha contigo.
Para onde quer que tu fosses.
Mas tu levaste-me para muito longe de casa, para muito longe deste sistema solar.
E eu tive de voltar.
Eu tinha de descansar.
Deixei-te lá estar em órbita,
Em cima de todas as pessoas que eu conheço, da humanidade, dos animais, do oxigénio, do dióxido de carbono.
Longe disso.
Antes vivia como num carrossel.
E como ríamos e caiámos em cima um do outro,
Cores e luzes à nossa volta.
Á nossa volta estava tudo estático, mas as almas separavam-se dos corpos
E nós víamos isso.
Sobre o universo estávamos nós.
No sítio onde Deus deveria estar sentado a observar os Seus filhos
Berrámos por ele, procuramos debaixo de cada estrela, dentro de cada buraco negro.
Mas Deus não apareceu nem respondeu.
E a ideia de que todas as pessoas que conhecíamos, toda a humanidade nos chamava Deus.
Apavorou-nos.
E o medo congelou-me as pernas.
E eu cai em cima da minha cama.
Ás horas do despertador tocar.
6:30,
A minha mãe chama.
Um ano.
A vergonha nos olhos da minha mãe.
A desilusão nos olhos dela.
A minha minúscula criadora estava desiludida comigo,
Que me perdi no meio das estrelas e dos cometas.
Olhava-me como se olha para algo partido, e perguntava:
- Porque?
Talvez a pergunta era dela para ela mas eu respondi o teu nome,
Contei-lhe como me sequestraste para as estrelas, e me beijaste com um astro sobre as nossas cabeças.
Com a puta de um astro sobre as nossas cabeças.
Contei-lhe como me levaste para um carrossel e disseste:
- Fecha os olhos.
Contei-lhe como sentia a tua falta, como me doía a corpo desde o ultimo dia que me agarraste,
E a minha pequena Deusa ouviu-me como se ouve um tolo
Contei-lhe como nós destruímos a corrente eléctrica do carrossel, bebemo-la.
Bebemos as cores e as luzes.
Mas eu bebi mais que tu.
Eu bebi cada cor e cada luz como se fosse água.
E a minha pequena origem
Chorou sobre mim,
E sobre o meu vómito.
- Bebi, mãe, bebi.
E ela abraçou-me como uma mãe abraça o filho que voltou da guerra.
Voltei da guerra.
Mas ela fá-lo porque me ama,
Faz por amor
Por amor.
Amor.
Adormeci,
E quando acordei estava na minha cama mas não a horas do despertador tocar.
O despertador já tocara a muito, á demasiado.
Não estava ninguém no meu quarto.
E eu lembrei-me de uma amiga de cabelo negro que sorria,
E eu lembrei-me de uma amiga de cabelo castanho que me arranhou as costas.
E eu lembrei-me de uma amiga de cabelo loiro que me abanava a cabeça.
Os meus pequenos autores entraram no quarto
E eu chorei
Olhavam-me como se olha para quem não se conhece
Os meus pequenos pintores, que afinal mostraram ser maiores que o universo,
Sentaram-se aos pés da cama
E não sorriram
E na falaram
E não respiraram
Eu, a sua pequena criação, a sua aguarela
Tinha-me envenenado com amor fingido
Tinha caído no fundo do mundo.
Os meus pequenos grandes Deuses
Que abandonaram o Olimpo por mim
Admiravam-se como eu era igual ao resto da humanidade.
Que cidade, tens construído, para eu aí nunca entrar?
Que mar, tens enchido para eu aí nunca mais me afogar?
Que ruas, tens consumado, para aí eu nunca virar?
Parti a alma aos meus pais
E tu nem soubeste
Não, tu nem soubeste
E eu passo por ti e enfio uma constelação dentro do teu bolso.
Mas tu nem na minha direcção olhas
Tu nem nos meus olhos olhas,
Como se eu me tivesse perdido do mundo,
Quando foste tu e tudo o que tu representas que em orbita ficou
Um ano
E tu não voltaste.
Recebo um telegrama assinado por extraterrestres.
Diz que por lá passaste e que o teu lindo sorriso era demais para eles
Pedem-me para eu te ir buscar, que seguiste para norte da estrela onde uma vez eu e tu vivemos.
Mas eu não vou, tenho de fugir.
Continuar com a minha vida.
Esquecer a desilusão nos olhos castanhos da minha mãe.
Que ainda chama por mim ás 6:30
Que ainda me diz o quanto bonita sou,
Ela diz que sou muito, mas eu não acredito
Mas eu não lhe digo isto
Não, eu não lhe digo isto
Já lhe disse de mais
A minha mãe já uma vez chorou sobre o meu cadáver
Já agarrou a filha que vomitava sangue envenenado por ti.
Mas tu nunca soubeste
Tu nunca soubeste
Nem nunca saberás
Um ano.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007


Enfio a cabeça fora da janela,
E deixo o vento cortar-me,
Deixo o ar tirar-me o oxigénio e,
Berro-te para acelerares,
Tirares-me deste mundo
Mas não fazes caso de mim.
E andas à velocidade que te é permitida por alguém que não está aqui,
Por alguém que ás vezes te faz companhia ao jantar, quando entra pela televisão.
O meu cabelo meio loiro, meio castanho chicoteia-me na cara.
Mas não dói. Não há dor.
Só existes tu que bates com os dedos no volante e sorris para as minhas costas
Não vês a minha face mas sabes que eu estou a rir.
E isso faz-te feliz, como não te fazia há muito tempo.
E isso faz-me feliz como não me sentia há muito tempo.
O rádio canta qualquer coisa, dá a sua opinião.
Mas não fazemos caso dele.
Só existo eu e os meus braços que se agitam contra o ar.
Uma guerra que eu nem tento ganhar.
Nem tento.
E estou feliz, mais feliz do que da primeira vez que te vi.
Eu, feliz.
A velocidade que nos é permitida não me basta.
Quero mais.
Mais felicidade,
Mas do teu sorriso que se forma simplesmente porque o meu nasceu.
Mais, mais, mais.
E telepaticamente, tu pões o pé no acelerador e não tiras.
Não tiras.
Sempre,
Já não andamos, estamos muito acima da estrada, dos códigos, estamos muito acima do mundo, do universo.
Nós não voamos, nós nem existimos.
Felicidade delicada.
Mas depois fica demasiado.
Demasiado.
Enfio-me dentro do carro, há mais silêncio, há mais oxigénio, há mais calor.
Reduzes.
A velocidade e o sorriso.
Continuas a bater com os dedos no volante e o rádio não se angra,
Não me olhas.
Fecho os olhos e deixo os raios de sol entrar.
Deixo-os entrar.

sábado, 8 de dezembro de 2007


És o consciente da minha consciência
Se eu tal tivesse.
Somos unidos por qualquer coisa muda.
E haja um deus à nossa espera ou só um grande e infinito vazio,
Houve uma grande união que o preencheu uma vez aberto.
Tens a tua poesia que nunca se instigue
E mais ainda, inaugura a minha
És consciência do que eu não tenho.
Mas és também, a alegria do meu ser.
E fazes-me parecer líquida, como se houvesse, ainda em mim, algo moldável.
E se houver eu sei que só tu o podes encontrar.
Eu sei.
Obrigada pelo pouco que me é tudo. Porque é esse tudo que me traz consciências ás palavras.
Entendes o que te digo?
Porque tu trazes-me vida ao corpo.
E o meu corpo é morto.
Se, meu amor, a monotonia matasse.
Eu já estaria em decomposição
Mas tu, tu trazes-me vida.
Traze-la agarrada nos teus pequenos gestos,
Como o dobrar das tuas mãos ou o teu piscar de olhos.
Tenho tanto para te dizer, mas eu perco-me no meio das palavras,
Se eu te disser que elas nunca me trouxeram o que eu preciso delas, acreditas em mim?
É verdade. É a mais pura de todas as verdades.
O que também é verdade é a minha insatisfação
Quanto mais me dão mais eu peço.
Eu quero sempre mais e mais.
É a minha dor e o meu fardo.
És a minha doença e a minha cura.
E eu vou sempre sentir a tua falta como se me fosses pele.
Escrevo-te num sinal de rendição. Espero que o consigas identificar e guardar.
Porque um dia vais-lhe sentir a falta, vais-lhe sentir a falta como se ele te fosse pele.
Quando te perder, nunca vou deixar as memórias.
Porque afinal és o consciente da minha consciência.