terça-feira, 22 de janeiro de 2008


Eu sei só de uma certeza.
Ponho a minha mão no fogo (e qualquer outra parte do meu corpo) como tu vais ter uma vidinha santa.
Vais entrar na faculdade que queres e vais ter toda a diversão que conseguires aguentar.
Vais desmaiar de tanto te rir com os teus amigos que vão ser todos exactamente o que todos os amigos devem ser. Vais-te (des)apaixonar de morte todos os dias. Vais-te perder no teu próprio eco.
Num dia, vais acordar ao lado da mesma pessoa que acordaste nos últimos dois dias. Vais olha-la com olhos de formiga e vais acha-la tão linda, tão feminina, tão inteligente, tão perfeita. Vais-te casar. Vais ter uma casa. Uma família. Os teus filhos vão ter nomes como Salvador ou Carminho e vão ser exactamente o que os filhos devem ser. Vão ser altos e bonitos como os pais e vão saber sempre, sempre, comportar-se.
Vais viver num apartamento enorme na Boavista ou nas Antas sempre cheio de sorrisos e harmonia. Vais ter um cão grande, um lavrador talvez. Exactamente como um lar deve ser.
Vais deixar sempre bem cedo a cama, vais tomar o teu super pequeno-almoço sempre á mesma hora, vestir o teu fato sem gravata, dar um beijo de bons-dias á família, e vais sempre usar o teu melhor sorriso no teu carro familiar/executivo. Sempre.
Depois os meninos vão crescer e vão começar a sair a noite, a ser a noite. Tu vais-te sentir um bocadinho gasto, velho. Vais ganhar uma barriguinha e talvez, deixar crescer um bocadinho o bigode. Vais passar férias com a mulher e com os casais amigos. E vão todos divertir-se á grande, esquecer os empregos de luxo que tantas dores de cabeça vos dão.
Os meninos vão sair de casa e o cão vai morrer. Por isso vais comprar um carro desportivo, só com dois lugares, um para ti e outro para a mulher. A mulher que continua linda, feminina, inteligente, perfeita.
Vais começar a frequentar a missa aos domingos, vais rodar todas as pousadas portuguesas e vais aprender a apreciar queijos fortes e vinhos requintados. Os teus dias de barris de cerveja e charros nos cantos estão oficialmente acabados. Vais-te aperceber disso mas não te importas.
O teu cabelo que é hoje tão forte e brilhante vai cair no duche e encher a almofada. Mas tu vais pensar que esta vida já te deu tanto que não há mal em te tirar tão pouco.
Em cima da tua mesinha de cabeceira tens uma foto de família antiga numa moldura também já antiga. Vais olha-la todas as noites de relance antes de apagares a luz. O primogénito agarrado ás tuas calças, a tua mulher com o braço á volta da tua cintura com uns grades óculos de sol. Tão linda, tão feminina, tão inteligente, tão perfeita.
Há quanto tempo terá sido esta tirada? Vintes anos, quarenta? Deus, o tempo passa. Já sentiste o peso dos teus netos nos braços.
Mas ainda te lembras tão bem das tuas namoradinhas de adolescência e ao que elas sabiam. E lá com dificuldade lembras-te de mim, como é que eu me chamava?
Vais morrer com um ataque cardíaco durante o sono, não vais sentir dor nenhuma. Vais ter setenta e picos para assim nunca conheceres a incontinência e o esquecimento.
Na manha seguinte, quando a tua mulher acordar junto ao teu cadáver vai-te beijar a face – sem medo, sem nojo – e vai-te implorar, suplicar, para voltares.
Mas tu não voltas.
O teu funeral vai ser num dia de Outono, ao fim da tarde. O cemitério vai estar cheio e todos vão relembrar a pessoa divertida e amiga que foste. Os teus filhos vão chorar agarrados agora aos filhos deles, a tua mulher vai vestir o luto para nunca o tirar.
O teu cheiro vai perdurar nas fronhas das almofadas, as tuas fotografias vão estar presentes em cima de todas as lareiras de familiares.
Vais ter uma vidinha santa. Exactamente como uma vida deve ser.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008


O problema, muitas vezes, não reside na falta de fé.
Mas na falta de milagres.
De provas.
Muitas vezes, o que procuro esconde-se no que foste e no que eras.
Não no que és.
Porque esse, eu desconheço.
Não sei se a minha forma de vida é saudável, mas não me acredito que o seja.
E não sei se me esforço o suficiente para o ser.
Eu respiro-te, berro-te e aclamo-te.
Vivo-te.
Não me questiono, nem tomo medicação.
Tento á força toda ser quem fui um dia.
Mas se em mim o tempo voltasse atrás,
As dores e alegrias que nasceram,
Teriam sido em vão.
Ou não?
Não.
Se eu soubesse falar com os mesmos espasmos de sabedoria que tu
Eu já teria tentado a minha sorte além.
É isso que estás a fazer?
Porque se estiveres a tentar ter pulso na tua vida,
Se estiveres a tentar dar uma razão ás tuas pulsações,
Eu entendo-te. Eu admiro-te.
Porque de há uns séculos para cá,
A sujidade dos nossos corpos começou a contagiar a nossa alma.
E nós rebolávamo-nos nela,
Víamos, com olhos de vampiros, a nossa alma a derreter,
Plasticina ás mãos de quem se desse ao trabalho de se dobrar para a apanhar.
Tínhamos alucinações com insectos.
Nós éramos um deles.
A sujidade do nosso corpo entrava-nos no nosso ser quando nós falávamos.
E nós fartávamo-nos de falar.
Que dizíamos nós?
A nossa pele era borracha.
Tu apagavas-me.
Eu apagava-te.
Compulsivamente.
Os nossos músculos eram tecidos rotos.
E nem eu nem tu sabíamos (ou quisemos saber) costurar.
Os nossos ossos rangiam do (falta de) esforço.
Mas nós riamo-nos,
E o nosso riso fazia eco na china.
Era como um rugido, como um rosnar.
Nós não sabíamos de que nos riamos.
Mas se riamos!
Até doer, até chorar.
E fingíamos ser acrobatas, ginastas, invisíveis
Para podermos escapar à realidade que nunca desistiu de nos entrar na pele.
Ela deixou-nos cicatrizes,
Tens uma no cotovelo,
Que de tanto eu a olhar me ficou queimada na retina.
E eu tenho uma ferida no coração,
Que de tanto tu a ignorares, nunca cicatrizou.
E tu sais pela porta,
E o silêncio zumbe-me nos ouvidos.
E os nossos corpos meios mortos começam a ganhar forma e cor.
Mas cores distintas,
A mim calha-me a cor de cadáver
E tu ficas com cor de gente.
Vá, julga-me agora as palavras.
Vá, atreve-te.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Do it anyway


People are often unreasonable, illogical,
and self-centered.
Forgive them anyway.

If you are kind, people may accuse you
of selfish, ulterior motives.
Be kind anyway.

If you are successful, you will win some
false friends and some true enemies.
Succeed anyway.

If you are honest and frank,
people may cheat you.
Be honest and frank anyway.

What you spend years building, someone
could destroy overnight.
Build anyway.

If you find serenity and happiness,
they may be jealous.
Be happy anyway.

The good you do today,
people will often forget tomorrow.
Do good anyway.

Give the world the best you have,
and it may never be enough.
Give the world the best you've got anyway.

You see, in the final analysis,
It is between you and God.

It was never between you and them anyway


Mother Theresa

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008


Isto é em honra do passado, porque eu penso que até ele merece um funeral,
Algo que o faça sentir querido, amado.
Até ele.
Isto é em honra de todos os maus dias,
Em honra de tudo que me fez ser quem sou,
Estar onde estou.
Isto é em tua honra.
Trazes-me dor ao peito,
Transformas-me em dor e gelo.
E o verdadeiro mal não é o fazeres, mas sim, só tu o conseguires.
Hoje, é em honra dos tempos perdidos,
Das horas mortas,
Da monotonia.
Pois ela foi minha companhia constante
E nunca me deixou sozinha.
Hoje escrevo em honra do que nunca chegou a ser ‘coisa’.
Do que morreu no caminho,
Das palavras que se esqueceram em lado algum.
Em honra de todos os ‘quases’.
Quase toques, quase verdades.
Hoje é em honra de todas as mentiras.
Todas.
Às que foram descobertas, ou ás que ainda dormem ao meu lado.
Porque sem elas, nada seria o que é.
E isso seria uma pena, certo?
Hoje é em honra de todas as maldades que se espetaram nas minhas costas,
Nos meus pulmões, nos meus olhos e nas minhas pernas.
Isto é em honra de toda a infidelidade que eu encontrei nos meus dias, e me roubaram o sono à noite.
Hoje é em tua honra.
Isto é por todas as orações abandonadas,
Pelas mudas,
Pelas desesperadas
E pelas feitas em nome de outros.
Isto é pela esperança que elas tenham sido ouvidas por um Deus empregado no mundo divino.
Isto é pela esperança.
Isto é pelas estações do ano,
Pelo movimento de translação,
Pelas horas e milésimas de segundo.
Porque, no final, todos contaram.
Isto é em honra do esquecimento e da saudade.
Deus, pela saudade.
Porque a saudade foi a minha outra companhia constante.
Ainda o é, e duvido que algum dia me abandone.
Por tudo o que eu esqueci e por tudo o que me esqueceu.
Isto é pelos ‘velhos tempos’,
Pelos sorrisos cúmplices,
Pelos privados,
Pelos não sentidos,
Pelos sagrados,
E pelos que matam.
Isto é em tua honra.
Isto é em honra de tudo o que me arrependo.
Das lágrimas e do desespero.
Pelas sextas à noite, ou pelos sábados de manha.
Isto é em honra dos ares intoxicados e dos cheiros desconhecidos.
Do que eles me trouxeram, mas também pelo que me tiraram.
Isto é em honra da solidão.
E do peso que só ela me consegue trazer.
De todos os momentos que me apercebi que ela tinha chegado.
Em honra de todos os acordes e melodias.
Todos aqueles em que eu caibo.
Todos aqueles que fazem parte da minha voz.
Em honra daqueles que me foram mostrados a medo ou dos que eu procurei.
Todos.
Isto é em honra de todos os amigos.
Meu deus, em honra de quem eu amei e confiei.
De quem me amou e em mim confiou.
Em honra de quem, comigo, se riu sem fim.
De quem me desejou boa sorte,
De quem me abraçou e ao mesmo tempo prometeu nunca se esconder.
De quem cumpriu a promessa, de quem não o fez.
Estou cansada, por isso, tanto me faz.
Isto é em honra de quem se transformou noutro alguém qualquer.
Num super-homem ou num shrek.
No fim, só interessa se fomos quem quisemos.
Pelos ‘adeus’,
Pelos tardios ou antecipados,
Pelos mal pensados,
Pelos sentidos ou banais,
Pelos que realmente queria,
Mas principalmente,
Pelos que eu nunca quis.
Nunca.
Por todos os ‘nuncas’, ‘jamais’,
‘sempres’.
Hoje é em honra de todos os natais,
De todos os aniversários,
Todos os dezasseis.
Em honra da contagem decrescente,
Dos brindes e das velas.
Em honra da família,
Mesmo aqueles que nunca conheci mas que são a razão de eu ser um seres vivo.
Pelas coincidências – tristes e alegres.
Pelas ironias,
Pelas metáforas,
Pelas anáforas.
Por todo o exagero que me assustou ou me alegrou.
Por toda a espera a que fui obrigada,
Por ter sido obrigada a esquecer a minha impaciência.
Por todos as palavras que quis e mereci ouvir,
Mas nem me chegaram perto.
Por todos os sentimentos que não têm nome mas vivem em mim.
Por todos os meus sacrifícios,
Por todas as minhas tentativas de ser e estar de forma diferente.
De forma melhor.
Pelos meus ídolos,
E tudo a dor que eles tinham agarrada aos poros da pele.
Aos beijos perfeitos e a todos os outros.
À dor sobrenatural no coração.
Á perda de ar. À que nos faz renascer e à que nos mata.
Ao ‘e se?’ que me corrói todos os dias.
Ao céu, inferno e todas as outras lendas.
Em honra de deus e o seu enorme sentido de humor.
Á morte.
Que tem em mim o mesmo efeito que a lixívia,
Tira tudo, mesmo a cor.
Ao que morreu em mim, ao que morreu na terra, ao que morreu em segredo.
À vida.
Ao presente, ao futuro.
Deus, ao passado!
Ao que passou e não volta.
Porque até ele merece um funeral.
Até ele.
Isto é em tua honra.

domingo, 6 de janeiro de 2008


Por hoje, tenho-te perto. Como se a distancia fosse só uma palavra.
Tenho-te como uma prova mudada por dias e anos.
Não trespassada nem violada.
O mundo encheu-nos de formas e símbolos que ninguém nos ensinou.
Não somos desta geração, mas é aqui que temos que sobreviver.
E eu vejo-te a aprende-la e a respira-la devagarinho,
Por isso aperto-te a traqueia.
E peço-te para não me olhares dessa forma,
Que se eu te mato é porque te amo.
Que a razão deste assassinato é a minha sobrevivência,
A razão desta impiedade é o meu medo da solidão.
Não te rias, porque eu prefiro viver na solidão de ser viúva, do que na solidão do incúria.
A ponta dos teus dedos pinta-se de azul.
Houve um dia, em que te perguntei se eras feliz, e tu respondeste-me em números, símbolos e formas que eu te achava ignorante.
Por isso, hoje, tenho-te nas minhas mãos.
E não sei se sou eu, mas o mundo tornou-se silencioso, como se lá fora as buzinas e as pessoas se tivessem calado para nos observar, ou para me fugir.
Para escaparem ao estatuto de testemunhas ou a percepção de serem cúmplices.
Eu só ouço um silêncio atómico, mas tu, tu pareces estar à escuta, à espera de um super-homem, ou de um homem-aranha que te valha.
Os teus olhos parecem-te saltar das órbitas,
Mas tu não lutas pela vida, estás à espera.
À espera que um Deus qualquer te ouça o pedido de ajuda.
E eu que achei que depois de tantos anos já soubesses que Eles são surdos e incapazes.
Tu pareces estar à espera que a imortalidade de que sempre te achaste possuidor faça efeito.
Por hoje, tenho-te por perto.
Porque eu tenho medo, tenho tanto medo que estas pessoas te levem para outro universo.
Para o universo que aos poucos começas a decifrar e amar, e para onde, apesar de ter lá sangue do meu sangue, não tenho permissão de entrada.
Lá fora, talvez noutro país, um alarme dispara. E eu salto-te do corpo.
E tu respiras com dor e agrado.
A tua dor faz-te sorrir,
Estás vivo, dói-te.
Eu olho-te sem expressão porque os anos tornaram-me numa actriz de categoria.
E tu,
Tu sorris-me.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Na verdade, (caso a conheças de facto)
Tu és tudo o que eu sempre quis.
Tu és o único constante da minha eternidade.
E deixa-me roubar-te um bocadinho dessa ironia,
Para te dizer que ainda és.
Para te dizer que ainda estou aqui por ti.
Deixa-me ainda, por favor, tentar encontrar as palavras para te dizer o que se vomita em mim.
És como aquelas coisas que acreditamos mas não vemos,
Como Deus e os seus lares. Como o oxigénio e os seus venenos.
És, aliás, o que nos faz acreditar nessas coisas
Como a fé e a sua cegueira. Como o amor e a suas crenças.
Deixa-me ainda acrescentar que eu quero que o teu caminho seja pacífico e colorido.
Que apesar de ter dito – enquanto dormia – que mais me valias morto que distante, não é isso que eu, na verdade, sinto.
E, se não tiveres já adormecido, quero dizer-te que o teu sorriso é um furacão em mim. Abala-me e destrói-me. Porque tu não o deixas tornar-se um adulo, ele fica sempre preso em ti. O teu quase sorriso é como veneno para mim. E de noite, traz-me frieiras ao peito relembra-lo como meu. E de noite, eu congelo na minha solidão mal construída e nem as memórias me trazem aconchego ás ideias, ás palavras.
E, desculpa-me a demora, mas na verdade a tua eternidade começa-se a extinguir e torna-se, um oceano infinito onde eu me afogo.
Talvez, ainda te lembres do cuidado das saudades e dos espinhos que elas trazem escondidos. Talvez, ainda te lembres que a morte tanto rouba como oferece. E – deus te livre – ainda te lembres de mim e dos meus exageros. Exageros que tinham coração e alma e, que, viviam nas entrelinhas das nossa existência.
Se ainda falares a tua língua materna deixa-me contar-te as infames do mundo.
As arenas dos felinos e paraísos dos insectos. Deixa-me dizer-te que as tuas lágrimas me corroem. E que os teus gestos são divinos.
Porque na verdade (caso alguma vez já a tenhas visto),
Resides tu.