domingo, 23 de dezembro de 2007

Fala devagarinho
Porque a tua voz já não é a mesma
Leva-me para longe deste campo de guerra,
Que eu já perdi as mãos e as pernas.
Leva-me para longe desta cidade governada por fantasmas e lendas
Leva-me para perto de ti ou de alguém que signifique o mesmo que tu
Fala devagarinho
Porque a guerra levou-te a melodia das vogais
Leva-me para junto delas.
Leva-me para outros dias e outros sons,
Porque as explosões levaram-me a audição e a visão
E eu não sei quem sou, eu sou ninguém e ninguém me protege.
A guerra levou-me o pai e a mãe,
Leva-me para junto deles e adormece-me com as cores que eu já não distingo.
Traz-me a poesia que escondeste no teu bolso.
Eu preciso de rimas e palavras mudas. Traz-me o arco-íris que escondeste nas veias.
Protege-me desta guerra que dura á séculos.
Protege-me desta guerra que me tirou a serenidade.
Olha para ti, endoideces-te! Olha para ti, olha para nós.
Fala devagarinho que eu já não te entendo. Olha-me, eu sou cega e muda.
Eu sou de ninguém porque eu nada sou.
Não tenho pernas nem mãos, mas o meu coração continua aqui, a bater-me na boca.
Ele não cessa. Ele não se cala. Eu rezo, mas ele não se cala.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007




Que cidade tens construído?
Que mar tens enchido?
Que ruas tens consumado?
Eu sei que não entendi, mas hoje eu vi.
Eu sei que não me apercebi
Mas depois eu vi.
Vou continuar com a minha vida.
Passou um ano e tu não voltaste
Foi um ano de espera, não de solidão, mas de espera
Foi um ano com o ouvido preso à campainha,
Com ansiedade nos ponteiros
Foi um ano.
E tu não estás cá.
Há um ano atrás, eu não me veria aqui sentada ainda a escrever por ti.
Para ti.
E tu, analfabeto das minhas palavras.
O que me dói não me é
Aperceber que tu nunca soubeste o que acontecia dentro de mim quando te via
Mas sim,
Que tu nem as coisas que eu por dentro não fazia,
Tu sabias, tu reparavas
Entendes?
Faço lógica no teu mundo?
Ou a minha língua é diferente da tua,
Como o chinês do português?
Como o divino do terrestre?
Um ano, e tu não voltaste.
Tanto tempo que tiveste, que já nem desculpas consigo arranjar
Tanto tempo
Vou continuar com a minha vida.
Pegar-lhe na mão e reapresentar-me.
Pois ela já me esqueceu.
Já foi há um ano a última vez que lhe dirigi a palavra
Há um ano, não me via aqui, onde estou.
Há um ano não me via assim, como sou.
Doente.
Distante.
Há um ano eu não era quem sou.
Não era melhor nem pior, não era eu.
Quem sou eu, afinal?
Antes era quem tu eras.
Antes eu vinha contigo.
Para onde quer que tu fosses.
Mas tu levaste-me para muito longe de casa, para muito longe deste sistema solar.
E eu tive de voltar.
Eu tinha de descansar.
Deixei-te lá estar em órbita,
Em cima de todas as pessoas que eu conheço, da humanidade, dos animais, do oxigénio, do dióxido de carbono.
Longe disso.
Antes vivia como num carrossel.
E como ríamos e caiámos em cima um do outro,
Cores e luzes à nossa volta.
Á nossa volta estava tudo estático, mas as almas separavam-se dos corpos
E nós víamos isso.
Sobre o universo estávamos nós.
No sítio onde Deus deveria estar sentado a observar os Seus filhos
Berrámos por ele, procuramos debaixo de cada estrela, dentro de cada buraco negro.
Mas Deus não apareceu nem respondeu.
E a ideia de que todas as pessoas que conhecíamos, toda a humanidade nos chamava Deus.
Apavorou-nos.
E o medo congelou-me as pernas.
E eu cai em cima da minha cama.
Ás horas do despertador tocar.
6:30,
A minha mãe chama.
Um ano.
A vergonha nos olhos da minha mãe.
A desilusão nos olhos dela.
A minha minúscula criadora estava desiludida comigo,
Que me perdi no meio das estrelas e dos cometas.
Olhava-me como se olha para algo partido, e perguntava:
- Porque?
Talvez a pergunta era dela para ela mas eu respondi o teu nome,
Contei-lhe como me sequestraste para as estrelas, e me beijaste com um astro sobre as nossas cabeças.
Com a puta de um astro sobre as nossas cabeças.
Contei-lhe como me levaste para um carrossel e disseste:
- Fecha os olhos.
Contei-lhe como sentia a tua falta, como me doía a corpo desde o ultimo dia que me agarraste,
E a minha pequena Deusa ouviu-me como se ouve um tolo
Contei-lhe como nós destruímos a corrente eléctrica do carrossel, bebemo-la.
Bebemos as cores e as luzes.
Mas eu bebi mais que tu.
Eu bebi cada cor e cada luz como se fosse água.
E a minha pequena origem
Chorou sobre mim,
E sobre o meu vómito.
- Bebi, mãe, bebi.
E ela abraçou-me como uma mãe abraça o filho que voltou da guerra.
Voltei da guerra.
Mas ela fá-lo porque me ama,
Faz por amor
Por amor.
Amor.
Adormeci,
E quando acordei estava na minha cama mas não a horas do despertador tocar.
O despertador já tocara a muito, á demasiado.
Não estava ninguém no meu quarto.
E eu lembrei-me de uma amiga de cabelo negro que sorria,
E eu lembrei-me de uma amiga de cabelo castanho que me arranhou as costas.
E eu lembrei-me de uma amiga de cabelo loiro que me abanava a cabeça.
Os meus pequenos autores entraram no quarto
E eu chorei
Olhavam-me como se olha para quem não se conhece
Os meus pequenos pintores, que afinal mostraram ser maiores que o universo,
Sentaram-se aos pés da cama
E não sorriram
E na falaram
E não respiraram
Eu, a sua pequena criação, a sua aguarela
Tinha-me envenenado com amor fingido
Tinha caído no fundo do mundo.
Os meus pequenos grandes Deuses
Que abandonaram o Olimpo por mim
Admiravam-se como eu era igual ao resto da humanidade.
Que cidade, tens construído, para eu aí nunca entrar?
Que mar, tens enchido para eu aí nunca mais me afogar?
Que ruas, tens consumado, para aí eu nunca virar?
Parti a alma aos meus pais
E tu nem soubeste
Não, tu nem soubeste
E eu passo por ti e enfio uma constelação dentro do teu bolso.
Mas tu nem na minha direcção olhas
Tu nem nos meus olhos olhas,
Como se eu me tivesse perdido do mundo,
Quando foste tu e tudo o que tu representas que em orbita ficou
Um ano
E tu não voltaste.
Recebo um telegrama assinado por extraterrestres.
Diz que por lá passaste e que o teu lindo sorriso era demais para eles
Pedem-me para eu te ir buscar, que seguiste para norte da estrela onde uma vez eu e tu vivemos.
Mas eu não vou, tenho de fugir.
Continuar com a minha vida.
Esquecer a desilusão nos olhos castanhos da minha mãe.
Que ainda chama por mim ás 6:30
Que ainda me diz o quanto bonita sou,
Ela diz que sou muito, mas eu não acredito
Mas eu não lhe digo isto
Não, eu não lhe digo isto
Já lhe disse de mais
A minha mãe já uma vez chorou sobre o meu cadáver
Já agarrou a filha que vomitava sangue envenenado por ti.
Mas tu nunca soubeste
Tu nunca soubeste
Nem nunca saberás
Um ano.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007


Enfio a cabeça fora da janela,
E deixo o vento cortar-me,
Deixo o ar tirar-me o oxigénio e,
Berro-te para acelerares,
Tirares-me deste mundo
Mas não fazes caso de mim.
E andas à velocidade que te é permitida por alguém que não está aqui,
Por alguém que ás vezes te faz companhia ao jantar, quando entra pela televisão.
O meu cabelo meio loiro, meio castanho chicoteia-me na cara.
Mas não dói. Não há dor.
Só existes tu que bates com os dedos no volante e sorris para as minhas costas
Não vês a minha face mas sabes que eu estou a rir.
E isso faz-te feliz, como não te fazia há muito tempo.
E isso faz-me feliz como não me sentia há muito tempo.
O rádio canta qualquer coisa, dá a sua opinião.
Mas não fazemos caso dele.
Só existo eu e os meus braços que se agitam contra o ar.
Uma guerra que eu nem tento ganhar.
Nem tento.
E estou feliz, mais feliz do que da primeira vez que te vi.
Eu, feliz.
A velocidade que nos é permitida não me basta.
Quero mais.
Mais felicidade,
Mas do teu sorriso que se forma simplesmente porque o meu nasceu.
Mais, mais, mais.
E telepaticamente, tu pões o pé no acelerador e não tiras.
Não tiras.
Sempre,
Já não andamos, estamos muito acima da estrada, dos códigos, estamos muito acima do mundo, do universo.
Nós não voamos, nós nem existimos.
Felicidade delicada.
Mas depois fica demasiado.
Demasiado.
Enfio-me dentro do carro, há mais silêncio, há mais oxigénio, há mais calor.
Reduzes.
A velocidade e o sorriso.
Continuas a bater com os dedos no volante e o rádio não se angra,
Não me olhas.
Fecho os olhos e deixo os raios de sol entrar.
Deixo-os entrar.

sábado, 8 de dezembro de 2007


És o consciente da minha consciência
Se eu tal tivesse.
Somos unidos por qualquer coisa muda.
E haja um deus à nossa espera ou só um grande e infinito vazio,
Houve uma grande união que o preencheu uma vez aberto.
Tens a tua poesia que nunca se instigue
E mais ainda, inaugura a minha
És consciência do que eu não tenho.
Mas és também, a alegria do meu ser.
E fazes-me parecer líquida, como se houvesse, ainda em mim, algo moldável.
E se houver eu sei que só tu o podes encontrar.
Eu sei.
Obrigada pelo pouco que me é tudo. Porque é esse tudo que me traz consciências ás palavras.
Entendes o que te digo?
Porque tu trazes-me vida ao corpo.
E o meu corpo é morto.
Se, meu amor, a monotonia matasse.
Eu já estaria em decomposição
Mas tu, tu trazes-me vida.
Traze-la agarrada nos teus pequenos gestos,
Como o dobrar das tuas mãos ou o teu piscar de olhos.
Tenho tanto para te dizer, mas eu perco-me no meio das palavras,
Se eu te disser que elas nunca me trouxeram o que eu preciso delas, acreditas em mim?
É verdade. É a mais pura de todas as verdades.
O que também é verdade é a minha insatisfação
Quanto mais me dão mais eu peço.
Eu quero sempre mais e mais.
É a minha dor e o meu fardo.
És a minha doença e a minha cura.
E eu vou sempre sentir a tua falta como se me fosses pele.
Escrevo-te num sinal de rendição. Espero que o consigas identificar e guardar.
Porque um dia vais-lhe sentir a falta, vais-lhe sentir a falta como se ele te fosse pele.
Quando te perder, nunca vou deixar as memórias.
Porque afinal és o consciente da minha consciência.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007


- Se eu disser que Deus
É um grande filho da puta
Que, tudo vê mas nada faz
Estou a cometer um pecado que me condene a um inferno diferente deste?
Tu foges com uma pressa doentia, quase comestível
E eu fico, como testemunha da tua presença.
Nesse inferno, aposto que existem três damas de companhia que me vão apaziguar as dores de costas com chagas ainda mais duras.
Aposto que, nesse inferno, me vão alimentar com mentiras iguais às tuas. E em dias de festa até me vão dar mesmo as tuas, como presente.
Como dói (oh, se dói) a espera a que me obrigas.
E eu nem sei porque espero.
Mas deixo-me ficar.
O que não me faz querer arrancar os olhos com as minhas próprias mãos
São a minha fé e paciência imensas,
Mas quando elas me faltam é como se me tirassem a alma
Ou simplesmente a consciência de que a tenho
Foge, porque se eu tivesse pernas também o fazia.
Foge, antes que eles te alimentem com as minhas mentiras.
(As minhas são as mais venenosas, e corroem qualquer corpo.)
Foge, porque o Deus do céu tem um sentido de humor enorme.
Ele ri-se e ri-se de mim.
Como se a minha falta de sorte fosse uma anedota celeste.
E talvez seja, mas não me alegra a mim
Porque ela comicha-me o ser e sufoca-me.
Tenho dores nas pernas que não tenho.
E elas sangram de uma hemorragia interna antiga.
Tão antiga.
Foge de mim!
Porque eu sou a anedota preferida de Deus.

- Mas eu amo-te
Amo-te apesar das doenças que trazes agarradas ás letras do teu nome.
Amo-te porque tu aqueces-me com o teu frio
Amo-te simplesmente porque tu não desapareces e tentas, tentas mesmo, fazer-me sentir bem com o que o filho da puta me deu.
Eu amo-te com todas as minhas forças,
Mas as minhas são pequeninas e apagam-se só com palavras
Por isso desculpa-me se te fujo,
Fujo com a pressa de um caracol filho de uma hiena.

sábado, 24 de novembro de 2007


As saudades encravam-se no céu-da-boca
Mas estas atravessam-me como gelo em dias já frios
E marcam-se em mim como sinais de nascença
Se eu te pedir uma coisa estúpida,
Estúpida como deixares crescer o teu cabelo
Não me olhas da mesma forma que olhaste ali dentro?
Porque as saudades atravessam-me e atropelam-me
Mas não do teu eu hoje, mas de quando tinhas o cabelo mais comprido
é um desejo estúpido este de não te querer deixar ir, fugir, ou seja lá o que estás a fazer?
As saudades atropelam-me e tiram-me a força de sítios onde ela nem sequer existe.
Fica até eu adormecer para me apagares os pesadelos com os teus poderes.
O teu nome é-me oxigénio.
Fica até ao fim.
Porque as saudades atropelam-me como gelo em dias nascidos já frios.
As palavras ás vezes são mais do que isso,
São verdades,
São memórias,
São eco.
Se tiveres medo da falta delas, lembra-te disto.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Forever, you said

Esvazia uma garrafa,
Deixa-a fazer efeito,
Precisas dela para sorrires,
E alguém que não gostas de lembrar,
Disse-te que a vida sem sorrisos é uma puta de uma vida.
Não o gostas de lembrar, mas não o consegues esquecer
E tudo o que ele te disse é sagrado,
Está escrito na bíblia que escreveste com as memórias a servirem de tinta.
E a memória quando quer, é permanente
Não a adormeces mesmo que a alimentes com outras mais pequenas, menos intensas.
O único alívio que descobriste foi o álcool e os seus gostos,
Foi o gás das noites agitadas, onde estás rodeada por caras que não te conhecem e nos bolsos não têm provas dos teus erros.
Erros: tantos que amontoaste à porta da tua casa.
Os teus pais lamentam-se mas não à tua frente.
E tu não te apercebes do bocadinho de alma que lhes arrancaste.
A tua irmã, porque o amor que sente tem formatos diferentes,
Avisa-te e manda-te limpa-los,
Mas tu não o fazes, porque o teu coração encheu-se de indolência.
Preferes esquece-los, calca-los, cuspi-los para dentro de uma garrafa,
Qualquer uma,
Não interessa o sabor, nem o ano.
Só que faça efeito
E te roube o peso do peito.
Que te dói tanto,
Um peso que é um vazio.
Um vazio que arde e queima cada veia.
Ris e rodas na loucura.
Ris e berras.
Abraças quem não conheces
E, ás vezes abraçam-te de volta.
Mas quando não abraçam não sentes desgosto
Já sentiste tanto pelo mesmo,
Como dói amar e não ser amado,
E tu és testemunha, tu és vitima, tu és juiz, advogado, audiência, polícia, jurado. Tu até és o edifício, mas não és o criminoso, não! Tu eras incapaz de cometer tal crime.
Não aguentas o peso
E tantas mistura-lo com o ar poluído de drogas e inconsciência.
Mas ele não se dissolve.
E quando abres a porta da tua casa, notas que os problemas enchem todas as divisões, intoxicam o oxigénio, e decompõem a comida guardada na despensa e na cozinha.
Dói-te o peito, as pernas, os braços, os dedos, o maxilar, o nariz, as unhas, as orelhas, dói-te o cabelo, dói-te até o que não sabias que tinhas.
Mas pelo menos sabes que não estás morta.
Antes estivesses, antes estivesses amiga minha.

domingo, 11 de novembro de 2007


Vagueias pela rua,
Na pele nua dos teus braços perco-me.
Onde estavas tu na sombra do universo?
Gastei lá a minha vida e não te vi.
Eras um sonho de um sonho,
Uma pequena miragem,
Aguardei por ti todos os dias, principalmente nos maus.
E aqui estás tu,
E sabe tão bem ver a tua face,
As veias do teu pescoço,
O sinal no canto do olho esquerdo
Que foi pintado para mim,
Uma prenda de Deus com o meu nome.
Não te sei dizer se és melhor ou pior do que imaginava.
Tu és tu, olhas para o mundo no topo da tua superioridade
Onde estás tu? Acabei de ancorar no porto deste mundo,
É o terceiro que visito no espaço de dias,
E não te encontro.
Um dia vi-te, em pleno Inverno vestido como se estivéssemos no verão,
A vaguear pela rua de um pequeno e escuro satélite,
Mas tu desapareceste, e agarrada aos teus poros, foi a minha alma.
Mas não é ela que procuro, és tu.
Onde te escondeste?
Se estás espalhado nos braços de alguém que te mata a sede,
O universo não é justo,
Se estás feliz, inclinado sobre a recordação de alguém que não eu,
Deus errou,
Pois quando ele embrulhou o teu sinal,
Enganou-se na morada
E tu vieste parar à minha porta.
Vieste parar à minha porta num universo que nada cede.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007


Memórias tuas comicham entre as minhas
Marco o teu número,
Mas perco a coragem em lado algum,
Desligo porque te amo acima de tudo
E sei que as palavras que te diria desmentiriam esse amor
E na ânsia de te encontrar perco tempo
Na agonia de encontrar a cor da tua pele,
Não sinto o ar entrar-me nos pulmões,
Pareces estar tão perto, mas tens assas,
E eu contento-me com mãos e pés.
Não és quem eu conheci
Mas amo-te da mesma forma,
Amo a onda do teu nariz,
Ou a palidez da tua pele
Mandei-te para me protegeres,
Porque foi isso que eu sempre te fiz,
Mas tu não me soubeste compensar.
Não soubeste dar-me o que eu te dei vezes sem conta.
Não soubeste ser o que me prometeste ser.
Mas amo-te da mesma forma imensa.
De uma forma imensa.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007


Pensei que as saudades fugiam, sabes, como fogem todos os outros sentimentos. Como fogem os gatos e as pessoas. Mas as saudades, ou a falta delas, são a base de todos os sentimentos. Eu estou aqui, caso não me tenhas visto. Caso as minhas tentativas de ser relembrada não tenham causado qualquer efeito. E aceitar as opiniões dos outros como únicas e verdadeiras já me causou mais problemas do que o imaginável.
Preciso que te vás embora, porque não gosto do teu cheiro, e a tua voz faz-me estática nos ouvidos. O teu toque queima-me a mão e eu sinto-me suja. Porca, imunda. Sai, por favor.
Reparas na minha educação mal representada e no meu desprezo sentido.
E sais. Há tanto espaço, tanto oxigénio e não há saudades. Nenhumas, nada.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007


"Years later, I heard a minister at a wedding describe marriage as cutting sorrow in half and doubling joy, and what I thought of was not the guy I was seeing then, not even some perfect, imaginary husband I might meet later; I thought immediately of Martha."


Eu lembro-me da minha Mariana e da minha Layla. Sempre.

terça-feira, 16 de outubro de 2007


Ai que não posso mais,
Ai que não posso mais apesar de estar a dizer
Que não posso mais há não sei quantos anos,
"Parem! Parem! Parem! Parem por amor de deus, parem!"
Diz uma voz perdida no meio da avenida
Que arranca os cabelos brancos da sua nuca, nuca maluca.
E as pessoas passam, passam,
Passam por ele, passam pelo lado dele, por cima dele,
Por baixo dele, pelo meio dele,
Que desenfreada manada de elefantes em pânico, em marcha à frente
Em sentido contrário, correndo, esmagando, a calçada com as suas gigantes
E pesadas solas e tacões de borracha.
Passam e ele grita-se.
Passam e cospem-lhe olhares de pena, ódio, desprezo, que nojo
Esta avenida está toda porca, incredulidade compaixão,
Espanto até altruísmo, quando no fundo todos escondem
Bem escondidinho o entendimento amargo.
Amargo? Amargo não,
Talvez se lhe atirassem uma moeda de metal àquela fuça
Ele fechasse a matraca
Talvez, mas eu quero comprar, vender, comer, fazer, fazer, fazer,
Andar, sim, andar, porque parar é morrer, portanto andemos,
Andemos que a nossa vida é conjunto de verbos,
O ser é um conjunto de verbos, verbalizar, verbalizar,
E nem o homem parará, nem mesmo quando a voz lhe fugir,
Ele falará por gestos, por fumo, por ASCII, por XML, por morse.
E fala, e todos queremos falar, todos queremos fazer dissertações,
Discursos, prefácios, posfácios, tudo isso no menor tempo possível
O cronómetro está a contar, o cronómetro está sempre a contar
Tic, tac, tic, tic, tac, merda, já estou atrasada, tic, tac, tic,
Estamos todos atrasados, minha querida, ainda não sei é para quê
Tic, tic, tic, tac, como o outro dizia, queremos fazer do segundo a eternidade
e da eternidade o segundo e acabamos por fazer do segundo o milissegundo,
Rápido, desçamos a avenida, subamos a avenida, escavemos avenida,
Bebamos a avenida, sim sempre, sempre, vamos lá, vamos lá, não olhem
Não há nada aqui para ser visto, rodopiem o olhar, oh senhor polícia
Deviam mas é tirar estes loucos das ruas, o quê?
Está a falar demasiado rápido, nada, esqueça senhor policia, esqueço,
Claro que esqueço, esqueço a minha vida inteira
Nos quilómetros que percorro,
Quilómetros para a morte,
Para parar.
Aí talvez possamos pensar,
Pensar em vida não que horror, não quero, não há tempo, Deus.
Que deus? Deus que me pague venha fazer este inventário, Deus
Que me trata dos filhos, que me faça o sudoku,
Deus ainda é mais inútil que a minha avó, velha que nem um poio seco,
Ai meu Deus que esta avenida nunca mais acaba
Ai que me dói a cabeça, calem-me aquele homem, de caminho quem lhe
Pára a cara sou eu, mas primeiro tenho de ir às putas, quero fazer sexo,
Sexo, sexo, sexo, porra sexo não é um verbo por si só, quero sexar então,
Se sexar sou ser, sou ser e não páro, sexar mas depressinha
Senão o patrão despede-me, puta que o pariu, (não tu), não consigo sexar
Com aquele homem a gritar-se, fechaste as janelas? Sim?
Parece que ele está aqui dentro,
Arranjemos um quarto longe desta avenida,
A avenida está podre, meu amigo, a avenida está podre
Com bolor por dentro e por fora, gasta e exausta,
E a podridão é contagiosa,
Sim, vai dos homens para as construções dos homens
E das construções dos homens para os homens outra vez
Ciclos viciosos daqueles que eles falam na televisão,
Vamos para casa, é tarde e o café já acabou.
Está de noite, uma bela noite, daquelas escuras
Escuras como o vinho tinto da garrafa,
Será que nem à noite aquele homem se cala?
Parem, parem, parem? Raios que partam o homem,
Afinal o que é que ele quer? Já não pode mais,
Eu também já não posso mais, ninguém pode mais,
Vai dormir camarada ou eu ponho-te a dormir
Estás podre de bêbado, ti no ni no ni no ni no ni,
Nem as sirenes se sobrepõem à voz do homem,
Que à noite continua a gritar-se e arrancar os cabelos da nuca,
Nuca maluca, porque sabe, que poucas horas faltam para a manhã
E os manicómios privados não tardam a abrir as suas portas de saída,
Todos os malucos sairão à rua, todos os malucos saem sempre à rua,
Vêm e vão, vêm e vão, vêm e vão, e nunca param, não há tempo para parar
Parar é ver que faltam paralelos, parar é ver o sinal que está quase a cair
Oh filha despacha-te, deixa lá o pequeno-almoço, caramba
É todos os dias a mesma coisa,
É todos os dias a mesma coisa.

Savante

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Don’t waste your time on jealousy, sometimes you’re ahead, sometimes you’re behind.

The race is long, and in the end, it’s only with yourself.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007



- Olá.
- Olá...?
- Tu não me conheces, mas eu estava a observar-te enquanto lias na biblioteca e vi que estavas a ler José Luís Peixoto e eu gosto muito dos livros dele...
- Pois...
- Não penses com isto que te vou dizer que te estou a tentar engatar, mas nunca eu pensei que ver uma pessoa a ler José Luís Peixoto pudesse ser uma visão de tamanha beleza.
- Mas soou a engate.
- Pois, acredito que sim, mas não é. Ficas engraçada quando estás muito concentrada na leitura, porque te surge uma espécie de ruga um bocado acima da cana do nariz. Acho que são enternecedoras, as rugas de expressão.
- Não me debruço muito sobre as rugas de expressão.
- Debruças-te sobre o quê então?
- Nada em particular. As coisas surgem e eu penso nelas. Não é meditação forçada. Tudo o que flua naturalmente, sai muito melhor.
- Não há nada que te capte mais a atenção?
- Há.
- O quê?
- Porque queres saber?
- Porque quero saber mais sobre ti.
- Para quê?
- Não sei muito bem. Não me queres dizer?
- Quero perceber porquê.
- Gosto de falar com as pessoas.
- E procura-las em bibliotecas?
- Gosto de pessoas inteligentes.
- E porquê as bibliotecas?
- Porque penso que existe uma maior probabilidade de as ir encontrar em bibliotecas do que num café ou na rua...
- Tentas conhecer sempre as pessoas do mesmo modo?
- Qual modo?
- Do mesmo modo que estás a usar para me conhecer a mim.
- Às vezes... nem sempre.
- Não é um bom método.
- Porquê?
- Porque as coisas devem decorrer naturalmente. Especialmente os relacionamentos. Não deves "meter conversa" na esperança de que essa pessoa vá ser tua amiga. Encontras alguém com quem aches que vale a pena conversar e depois, se assim tiver de ser, a amizade, ou seja lá o que for, surge quase sem tu te dares conta.
- Sim, mas eu sinto-me um bocado sozinho.
- Toda a gente se sente sozinha. Umas mais do que outras, mas ninguém morre sem ter experienciado a solidão.
- Mas eu sinto-me MUITO sozinho. E não acredito que tu te possas sentir sozinha...
- Então andas enganado.
- Estou errado?
- Estás.
- Como é possível tu sentires-te sozinha? Deves estar sempre rodeada de gente...
- Nem por isso. Tenho poucos amigos, não adiro a amizades de cinco minutos e de mútua bajulação.
- Estás a falar de quê?
- Pessoas que por se sentirem sozinhas e vazias, têm necessidade de ter amigos que lhes digam de cinco em cinco minutos que os amam, ainda que banalizem o Amor e façam dele um sentimento um bocado oco. E que acham que "socializar" é que está a dar.
- Amor?
- Sim, Amor. O que foi?
- Não sei se alguma vez já amei ou fui amado.
- Eu amo-te.
- O quê?!
- O Amor incondicional, sabes? "Amar o próximo". Tento gostar de toda a gente, não espalhar a discórdia, mas antes semear bondade e compreensão. O Bem. Não sei se estou a ser bem sucedida, até porque tanto me amo como me odeio. Não sei se será possível amar verdadeiramente alguém se se é tão inseguro em relação a si próprio.
- Isso é tipo conversa da catequese. Se existisse um Deus, era possível existir tanta crueldade no Mundo?
- Quem é que faz as guerras e não impede a fome e violência: Deus ou a Humanidade?
- Se existe Deus e é tão poderoso como contam na catequese, podia parar com toda a miséria.
- A Humanidade também pode, falta é a vontade por parte dos ditos poderosos. E nós somos hipócritas a ponto de apontarmos o dedo, isto está mal, aquilo está mal, o Mundo é uma merda, mas no que toca a levantar do sofá e agir, isso já é complicado. Toda a gente, eu inclusivamente, fala muito, fala, fala, fala, manda palpites sobre tudo, tem opinião, ainda que não fundamentada sobre tudo, mas ainda assim, eu vejo o Mundo na mesma. Somos uns hipócritas e comodistas da treta.
- Mas Deus não deveria proteger os seus filhos?
- Deus deu-te a ti e a todos nós massa cinzenta. É suposto fazermos uso dela. Nós que somos tão orgulhosos da nossa evolução e progresso, porque não pomos fim à nossa miséria? Temos carros tão evoluídos, casas tão grandes, televisões e TV Cabo, internet e electrodomésticos, mas sabemos tão pouco sobre o que é ser. Quanto a ti não sei, mas às vezes apetece-me matar por ser assim.
- Assim como?
- Egoísta, hipócrita, inculta e afins. Mas pelo menos, orgulhosa não sou. Isso tem de contar para alguma coisa.
- Às vezes também quero morrer. O tédio tem um efeito devastador. E a minha solidão faz-me pensar muitas vezes no quão ridículo eu sou. Sou patético. Não me consigo relacionar com ninguém. Passo muito tempo em casa a pensar... a pensar, a pensar.
- Pensar em quê?
- Como dizia o outro, a pensar que penso, porque realmente, se pensasse, devia chegar a conclusões, não?
- Não sei. Nem sempre...
- Mas penso como gostava de ter alguém com quem conversar, em vez de me embrenhar em monólogos. Tenho medo de ficar maluco. Falar com as paredes não deve ser bom sinal.
- Quando não se tem mais ninguém com quem conversar... fala-se para dentro. Ou para as paredes.
- Porque é que estás a falar comigo?
- Hã?
- Estás a falar comigo.
- Boa observação.
- Raramente as pessoas falam comigo. As raparigas pensam sempre que é para o engate e os rapazes devem pensar que sou homossexual.
- Sei lá... não me pediste dinheiro nem me perguntaste se eu queria ir sair contigo. Não vi razão para não conversar um bocado...
- Queres ir sair comigo?
- Não.
- Dizes-me o teu nome?
- Porquê?
- Quero lembrar-me de ti.
- Eu gosto do anonimato.
- Eu não.
- Vou lembrar-me de ti como Índigo.
- Por alguma razão?
- Não, mas não é vulgar, e para ti, teria de ser o nome mais invulgar que eu me lembrasse. Tens qualquer coisa especial em ti, e gostava de descobrir o quê.
- Gostava de te fazer ver que isso é a tua solidão a imaginar.
- Talvez... será que te vou voltar a ver?
- Não sei responder a isso, mas se tiver de acontecer, acontecerá.



Welcome to Loneliness

sábado, 29 de setembro de 2007


Vens?