terça-feira, 30 de setembro de 2008

Don't you wish that we could forget that kiss?


Eu e tu não somos poetas, nem maresia.
Somos mentiras prometidas,
Tu deitavas-te na cama, a respirar o ar que nunca existiu,
E dizias-me que contavas os dias para morrer.
Eu deitava-me a teu lado e dizia-te que contava os dias para nascer.
Tu nunca me respondeste, concentrado nas contas que nunca terminaste.
Nunca terminaste, porque na verdade, nunca as começaste.
Tu partiste antes, se quer, de chegar,
E devias saber que um coração abandonado dói mais (muito mais) que um coração morto.
Tu disseste que voltavas, num ano ou dois,
Que todos os dias sentirias a minha falta,
Que terias uma foto minha na carteira,
Que dormirias com o sabor da minha pele nos lábios,
E que nunca, nunca, me deixarias de amar.
Se tivesses ido, só ido, sem me avisar, sem prometer voltar,
Sem me prometer amar pela eternidade adentro,
Eu não choraria até desmaiar,
Eu não perdia um ano ou dois com o coração nos ponteiros,
Se tivesses ido como quem parte para não voltar eu não tinha envelhecido á tua espera.
Eu e tu não somos poetas nem maresia, mas eu amei-te como se fossemos e não como mentiras prometidas.
Quando tu te deitavas na cama, com os braços a chamar pelo meu corpo, eu amava-te como se fosses a poesia na sua natureza,
Quando tu me dizias viva e tua,
Eu dizia-te vivo e meu.
Por estes dias, eu sei lá onde te escondeste,
Eu sei lá que muros encontraste.
Por estes dias, eu sei lá que amores decifraste.
Não me perco em ti como me perdia em dias distantes,
Não te amo como amei em vidas diferentes.
Mas de certa forma, eu espero pelo homem que um dia vi parti com a mesma força,
Mas tu não foste para á guerra,
Tu foste porque eu nunca te fui suficiente.
Tanto eu como tu sabemos que sim.

sábado, 27 de setembro de 2008

oh, well


Oh, what wasted unconditional love on somebody who doesn't believe in the stuff
Fiona Apple

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

onze e doze


Paris, 11:12 da manhã, 2008

Ele aproximou-se, com os passos apertados e as mãos nos bolsos para se proteger do frio de Janeiro. Ao pescoço trazia um cachecol enroscado e as golas do casaco comprido levantadas. O cachecol tinha-lhe oferecido ela.
Ela já o esperava com os braços cruzados no peito para o calor não se dispersar e o nariz vermelho. Tanto a respiração dela como dele erguia-se no ar como uma nuvem, como se a alma estivesse a fumar.
- Onze e doze da manhã, precisamente. – Disse ele ao mesmo tempo que tirava o pulso direito do bolso a custo e espreitava o relógio. – Tal como pediste. Porquê que tinha de ser precisamente ás onze e doze da manha?
- Porque é a minha hora. – Respondeu ela, saltando subtilmente para se aquecer. Ele não respondeu, em vez disso, deitou um olhar afastado ás pessoas que passavam pela praça, agachadas no próprio corpo. Por isso, ela continuou:
- É esta a minha hora da sorte. Sorte ou outra coisa qualquer – Explicou – É nesta hora que me acontecem as grandes coisas, tanto más como boas. – Fez uma pausa, e esperou que os seus olhos se encontrassem. - Foi nesta hora que nos conhecemos.
Ele olhou-a:
- Conhecemo-nos exactamente ás onze e doze da manhã?
- Mais coisa, menos coisa.
Ele assentiu como quem entende, mas com a expressão de quem não entende, de quem não se quer, sequer, dar ao trabalho de entender:
- E para quê que precisas de sorte? O que é que me querias tanto dizer?
- Casa comigo.
- Agora?
- Se quiseres pode ser agora, não me importa, mas não tem de ser justamente agora.
Ele olhou-a lentamente, olhou-lhe os pés e depois os próprios pés. A sua expressão que se tinha tornado pesada abriu-se num sorriso sarcástico.
- Caso contigo? Caso contigo. – Fez uma pausa para respirar, para se rir, para pensar. – Terça-feira dizes-me que estás de viagem marcada para Londres, quando eu te pergunto onde é que eu entro nessa história tu dizes-me que eu não entro, a história é tua e só tua. Depois ligas-me ás três da manha a grunhir para eu estar aqui ás onze e doze, exactamente, da manha e pedes-me para eu casar contigo? Viras-te maluca?
- Eu sei, e desculpa-me. Fui egoísta. Egoísta de uma forma que nunca tinha sido ou pensado ser. Magoei-te, e isso magoou-me a mim. Menti-te.
- Mentiste-me? – Ele exaltou-se: quando? Porquê? Foi com aquela besta da agência dela, ele sabia.
- Quando te disse que a minha história era só minha.
Ele rodou nos pés, irritado. Ela disse:
- Casa comigo. Por favor.
- E vivemos em Londres…
- Podemos viver em Londres, podemos viver aqui, podemos viver na China.
- Sabes que um pedido de desculpas bastava? Não precisavas de…
- Eu sei. – Interrompeu com ansiedade latente na voz. – Mas eu quero-me casar contigo. Eu quero envelhecer a teu lado, acordar todos os dias a teu lado, viajar a teu lado. Ter os teus filhos. Ter-te. Ser quem e como os nossos pais são.
Ele engoliu em seco e os músculos da cara contorceram-se. Ela continuou:
- Por favor, não me faças fazer figura de louca.
- Tarde de mais. – Fez uma pausa e então:
Sorriu (-lhe):
- Eu caso contigo se tu casares comigo.

Paris, 11:32 da manhã, 2008

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

hard


Um tom de voz cortante,
Que corta mais que pele, corta uma vida.
As palavras que disseste um dia são eco hoje.
Como casas frias e abandonadas, umas por cima das outras.
E de vez em quando, lá para o fim do mês,
Vêm os pobres roubar-lhes os restos.
Tiram-lhes os tijolos, o cimento e as memórias.
De casas já elas têm pouco,
Mas com a honra que lhes resta aguentam-se em pé.
Frias. Umas por cima das outras, todas esquecidas.
Casas assim, são como as tuas palavras antigas, escritas nos dedos que não são mais meus.
Ou teus.
Assim, e nessa altura, éramos felizes.
Como velhos renascidos,
Amantes perdidos.
Éramos assim, antes de sermos quem somos realmente:
Todos os defeitos que respiram nos nossos poros, podridão nas nossas pupilas.
Nossos poros. Nossas pupilas.

stay in tune



Tento ter a força para levar o que é meu
Sei que às vezes vai também um pouco de nós
Devo concordar que às vezes falta-nos a razão
Mas nego que há razões para nos sentirmos tão sós
Vem fazer de conta eu acredito em ti
Estar contigo é estar com o que julgas melhor
Nunca vamos ter o amor a rir para nós
Como queremos nós ter um sorriso maior?
Da Weasel - Casa (Vem fazer de conta)

sábado, 13 de setembro de 2008

love is all you need


Cresces dentro de mim para mim,
Como se a existência de um ser fosse simples como isso.
O arranque directo das dores do peito,
Com um sopro.
Um piscar de olhos, ou um suspiro.
E pronto, está feito.
És filho, depois pai, avô e cadáver.
Enfiado ás pressas da natureza num caixão de sobreiro.
Com um sopro já não és em mim a grandeza que foste,
És a memória do amor passado,
Mas que por isso não dói menos.
Um amor que se despediu sem maneiras,
Mas que de vez em quando, bate á porta.
Numa batida funda e surda,
Uma que se espeta na pele e diz-se rainha.
Coroada sobre o olhar atento dos súbitos que não existem, da idade que não aparentam.
E a tua mão a cair da cama,
O olhar adormecido, e a respiração assídua.
O quarto escuro porque ainda era de noite, e a tua mão alongada no ar, o pulso hirto.
E eu a pensar estar no céu.
No vibrar da eternidade e na lusco-fusco que é a vida, que foste tu enquanto meu.
E eu a pensar-te Deus.
Nas letras que escrevias a cuidado, uma a uma, com a boca presa nelas, e a voz surda de dor,
Escrevias as frases com os dedos atentos,
E prometias dali sair um épico.
Do épico nunca vi mais que um monte de papel,
E o teu olhar adormecido, quase vazio a contemplar a ideia da sua existência.
Nunca o chegaste a escrever no papel,
Mas escreveste-o na minha alma de mulher, quase viva.
Escreveste o nome a sangue, e sopraste-lhe para ele secar.
Sopraste o teu nome na minha alma.
E eu filha, depois mãe, avó e cadáver.
Do épico nunca vi prova.
Eternidade, prometeste tu.

Casacos de malha

O teu casaco de malha amarelo entre os meus dedos,
Eu a abraçar-te o casaco,
Tu a abraçares-me o corpo.
Os teus dedos a furarem-me a pele, numa dor que me atravessa.
Tu a sorrires como quem morre,
Eu em silêncio como quem já foi sepultado.
No silêncio que sempre foi nosso desconhecido,
Num abraço que nos queima a pele e cega o tacto.
E então um:
- Até já.
O teu casaco de malha que se deitou, mais que uma vez, por cima dos meus pés.
Num crime desajeitado mas pleno em que ateávamos fogo ao mundo,
Num crime sem vitimas ou precedentes.
Num segredo que deixou marcas aos olhos de todos.
A minha humanidade perdida num mundo a arder.
Subir ao céu, subir ao céu.
A minha roupa perdida nos lençóis, e um ou dois sorrisos.
O meu luto a secar sobre as tuas cicatrizes, como quem hesita perante algo bonito.
A tua voz de poeta – que pertence somente aos homens – a explicar o porquê de deus ser surdo e mudo.
A tua voz que vinha do fundo de ti e ecoava no fundo de mim.
- Até já.
Descer ao inferno, descer ao inferno.
O teu casaco de malha a sorrir-me do passado e a queimar-me a ponta dos dedos.
O teu sorriso que não era teu,
E o destino a bater à porta,
Aos pontapés, aos murros.
Tu já sabias o teu destino antes sequer de ele o ser.
A tua pele enrugada pelo tempo que ainda não passou,
O teu cabelo esbranquiçado da ausência da juventude que ainda não acabou,
O teu corpo amedrontado a arrastar-se,
E eu agarrada ao teu casaco de malha amarelo,
Tão amarelo que destoa. Que não parece real.
E eu lembro-me do sol a pôr-se por detrás da tua face, o teu sorriso a quebrar o laranja. Os teus olhos em bico e as tuas mãos quentes embaraçadas nas minhas.
Eu lembro-me do teu sorriso a rasgar-se para além do sol, para além da lógica.
Eu lembro-me e dói.
Eu entro pelo passado adentro e dói-me no peito e nos joelhos.
A tua voz de poeta que não precisava de palavras a comichar-me os ouvidos,
Fica na terra, fica na terra.
O teu casaco de malha a proteger-me os cabelos,
Eu lembro-me de ti e sangro, e sangra o mundo, e sangras tu.
- Até já.

""

- O ódio é como uma sombra negra que não para de alastrar. Em muitos casos, nem a pessoa que o sente sabe de onde provém. É uma espada de dois gumes. Ao ferir a outra pessoa, ferimo-nos a nós mesmos. Quanto mais grave for a ferida que infligirmos, mais grave é a nossa. Pode chegar a ser fatal. Mas não é fácil livrarmo-nos dele. O ódio é muito perigoso. E, uma vez arraigado no nosso coração, extirpá-lo é a coisa mais difícil do mundo.
Haruki murakami – crónica do pássaro de corda

Cold

Porque as palavras devem ter destino, mas nunca fim, digo-te que a saudade de te ver é, aos meus olhos, como campos gelados, embranquecidos não pela idade mas pela saudade. Gelados e brancos. Tão reais ao ponto de quase os conseguir ver pela janela, de sentir os olhos dos campos pousados em mim, o gelo da sua respiração junto á minha pele. A saudade imensa que tenho de ti respira-me junto á pele, vigia-me enquanto durmo. Campos sem fim a arrastarem-se pelo mundo e pelo meu corpo, num infinito sem palavras.
A dor de não te ter em mim, sendo ainda tu, é seca como uma batida num tambor velho. A tua ausência transporta-me para um campo de índios, onde eu ouço ao longe tambores. Os tambores chamam-me para casa.
- Está na hora de ir para casa.
Mas eles berram e gritam ao longe, os tambores chamam-me ao longe. Demasiado longe. Batidas secas que entram na minha alma e a chamam, e a roubam.
A dor de não te ter rouba-me a alma.
No dia em que partiste disseste adeus baixinho, num sussurro que eu não ouviria se não fosse eu a ouvir e se não fosses tu a dizer. A tua mãe agarrou-te na mão e não falou, porque a dor era maior ainda, a tua mãe beijou-te a mão e não chorou, porque a perda era maior ainda.
Eu chorei agarrada ao teu corpo e dentro de mim ouvia um piano, ouvia um piano a tocar pausadamente, como que a tentar não chorar. E tu ouviste também, não ouvirias se não fosses tu a ouvir e se não fosse a minha alma a tocar.
No dia em que tu foste, um piano ressoou dentro de mim como que a pedir perdão, e:
- Deixa isso ir, lembra-te só das boas coisas.
Tu disseste numa voz que arranhava o meu peito:
- Deixa isso ir, lembra-te só das boas coisas.
E eu abracei-te e deixei que as minhas lágrimas fossem só pelas boas coisas. E as tuas lágrimas, que nunca choraste, foram parte contigo, parte comigo.
Metade de ti ficou em ti, metade ficou em mim.
O sufoco de não te ter é físico e mental. Tu disseste:
- Adeus. Vejo-te por aí.
E eu ri-me e disse
- Está na hora de ir para casa.
E tu assentiste. Mas eu sei que tu entendeste que as minhas palavras eram tanto para mim como para ti. Sempre foram.