quarta-feira, 3 de outubro de 2007



- Olá.
- Olá...?
- Tu não me conheces, mas eu estava a observar-te enquanto lias na biblioteca e vi que estavas a ler José Luís Peixoto e eu gosto muito dos livros dele...
- Pois...
- Não penses com isto que te vou dizer que te estou a tentar engatar, mas nunca eu pensei que ver uma pessoa a ler José Luís Peixoto pudesse ser uma visão de tamanha beleza.
- Mas soou a engate.
- Pois, acredito que sim, mas não é. Ficas engraçada quando estás muito concentrada na leitura, porque te surge uma espécie de ruga um bocado acima da cana do nariz. Acho que são enternecedoras, as rugas de expressão.
- Não me debruço muito sobre as rugas de expressão.
- Debruças-te sobre o quê então?
- Nada em particular. As coisas surgem e eu penso nelas. Não é meditação forçada. Tudo o que flua naturalmente, sai muito melhor.
- Não há nada que te capte mais a atenção?
- Há.
- O quê?
- Porque queres saber?
- Porque quero saber mais sobre ti.
- Para quê?
- Não sei muito bem. Não me queres dizer?
- Quero perceber porquê.
- Gosto de falar com as pessoas.
- E procura-las em bibliotecas?
- Gosto de pessoas inteligentes.
- E porquê as bibliotecas?
- Porque penso que existe uma maior probabilidade de as ir encontrar em bibliotecas do que num café ou na rua...
- Tentas conhecer sempre as pessoas do mesmo modo?
- Qual modo?
- Do mesmo modo que estás a usar para me conhecer a mim.
- Às vezes... nem sempre.
- Não é um bom método.
- Porquê?
- Porque as coisas devem decorrer naturalmente. Especialmente os relacionamentos. Não deves "meter conversa" na esperança de que essa pessoa vá ser tua amiga. Encontras alguém com quem aches que vale a pena conversar e depois, se assim tiver de ser, a amizade, ou seja lá o que for, surge quase sem tu te dares conta.
- Sim, mas eu sinto-me um bocado sozinho.
- Toda a gente se sente sozinha. Umas mais do que outras, mas ninguém morre sem ter experienciado a solidão.
- Mas eu sinto-me MUITO sozinho. E não acredito que tu te possas sentir sozinha...
- Então andas enganado.
- Estou errado?
- Estás.
- Como é possível tu sentires-te sozinha? Deves estar sempre rodeada de gente...
- Nem por isso. Tenho poucos amigos, não adiro a amizades de cinco minutos e de mútua bajulação.
- Estás a falar de quê?
- Pessoas que por se sentirem sozinhas e vazias, têm necessidade de ter amigos que lhes digam de cinco em cinco minutos que os amam, ainda que banalizem o Amor e façam dele um sentimento um bocado oco. E que acham que "socializar" é que está a dar.
- Amor?
- Sim, Amor. O que foi?
- Não sei se alguma vez já amei ou fui amado.
- Eu amo-te.
- O quê?!
- O Amor incondicional, sabes? "Amar o próximo". Tento gostar de toda a gente, não espalhar a discórdia, mas antes semear bondade e compreensão. O Bem. Não sei se estou a ser bem sucedida, até porque tanto me amo como me odeio. Não sei se será possível amar verdadeiramente alguém se se é tão inseguro em relação a si próprio.
- Isso é tipo conversa da catequese. Se existisse um Deus, era possível existir tanta crueldade no Mundo?
- Quem é que faz as guerras e não impede a fome e violência: Deus ou a Humanidade?
- Se existe Deus e é tão poderoso como contam na catequese, podia parar com toda a miséria.
- A Humanidade também pode, falta é a vontade por parte dos ditos poderosos. E nós somos hipócritas a ponto de apontarmos o dedo, isto está mal, aquilo está mal, o Mundo é uma merda, mas no que toca a levantar do sofá e agir, isso já é complicado. Toda a gente, eu inclusivamente, fala muito, fala, fala, fala, manda palpites sobre tudo, tem opinião, ainda que não fundamentada sobre tudo, mas ainda assim, eu vejo o Mundo na mesma. Somos uns hipócritas e comodistas da treta.
- Mas Deus não deveria proteger os seus filhos?
- Deus deu-te a ti e a todos nós massa cinzenta. É suposto fazermos uso dela. Nós que somos tão orgulhosos da nossa evolução e progresso, porque não pomos fim à nossa miséria? Temos carros tão evoluídos, casas tão grandes, televisões e TV Cabo, internet e electrodomésticos, mas sabemos tão pouco sobre o que é ser. Quanto a ti não sei, mas às vezes apetece-me matar por ser assim.
- Assim como?
- Egoísta, hipócrita, inculta e afins. Mas pelo menos, orgulhosa não sou. Isso tem de contar para alguma coisa.
- Às vezes também quero morrer. O tédio tem um efeito devastador. E a minha solidão faz-me pensar muitas vezes no quão ridículo eu sou. Sou patético. Não me consigo relacionar com ninguém. Passo muito tempo em casa a pensar... a pensar, a pensar.
- Pensar em quê?
- Como dizia o outro, a pensar que penso, porque realmente, se pensasse, devia chegar a conclusões, não?
- Não sei. Nem sempre...
- Mas penso como gostava de ter alguém com quem conversar, em vez de me embrenhar em monólogos. Tenho medo de ficar maluco. Falar com as paredes não deve ser bom sinal.
- Quando não se tem mais ninguém com quem conversar... fala-se para dentro. Ou para as paredes.
- Porque é que estás a falar comigo?
- Hã?
- Estás a falar comigo.
- Boa observação.
- Raramente as pessoas falam comigo. As raparigas pensam sempre que é para o engate e os rapazes devem pensar que sou homossexual.
- Sei lá... não me pediste dinheiro nem me perguntaste se eu queria ir sair contigo. Não vi razão para não conversar um bocado...
- Queres ir sair comigo?
- Não.
- Dizes-me o teu nome?
- Porquê?
- Quero lembrar-me de ti.
- Eu gosto do anonimato.
- Eu não.
- Vou lembrar-me de ti como Índigo.
- Por alguma razão?
- Não, mas não é vulgar, e para ti, teria de ser o nome mais invulgar que eu me lembrasse. Tens qualquer coisa especial em ti, e gostava de descobrir o quê.
- Gostava de te fazer ver que isso é a tua solidão a imaginar.
- Talvez... será que te vou voltar a ver?
- Não sei responder a isso, mas se tiver de acontecer, acontecerá.



Welcome to Loneliness

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