segunda-feira, 3 de março de 2008

a.C

Houve tempos,
Em que eu me perguntava se te tinha perdido.

Mas esses tempos são agora distantes,

E o presente tratou de os apagar aos poucos.
Hoje,

Eu pergunto-me se me perdi a mim mesma.
Se nesses navios,
Que tu chamavas de teus,

Me levaste a mim.
E se eu não me lembro de navegar á proa contigo
É porque me atiraste borda fora.

Se calhar a explicação para o meu estado de espírito é mesmo essa.

Eu não me sinto,

Não sinto sangue nem vida em mim.

Aqueles que eu amei e amo

Começam a saber-me a pouco, ou a muito.

Nesses tempos,

Nos teus tempos,
Eu tinha o suficiente, não tinha?

Tinha os teus navios,

Que eu chamava de meus,

Tinha os mares que nós chamávamos de nossos.

E tinha dois pés e duas mãos,
Para quando me fartasse do mar

E preferisse a terra firme.
Inocência minha pensar que podia voltar.
Maldade tua não me avisares que eu não podia.
Mas o mundo enterrou-nos aos poucos, e as dores da tua voz tornaram-se da minha ignorância.

A minha forma de vida baseia-se nas mentiras com que tu me alimentas.

E, para o caso de tu duvidares, eu não considero mentiras pecado ou algo de mau tom,
Eu sei que as que tu me dás são para o meu próprio bem,

E eu sei que elas são cura de muitas doenças,
Base de muitos casamentos,

E concordância de muitas pazes.

Mas eu sei também

Que elas são leito de muitas mortes.
Hoje,

Tu não me envolves na mesma áurea.

E o amor que eu algum dia te dei,

Por mais grandioso que ele tenha sido,

Secou-me do corpo.

De dentro dele, das profundezas dele.
O que restou
E o que eu ainda te dou,

É o resultado do meu esforço para não te deixar ir, ou a mim, ou seja lá o que for que mantêm as pessoas juntas, presas.
Mas hoje eu pergunto-me se me terei perdido, se o último ano, não terá sido um deslize na minha vida.

Um deslize que eu tomei por iniciativa própria.
Tudo o que de bom eu tive um dia, perdi.

E essa perda,

Torna-me vazia e estática.

Sem vida, cor ou luz.

Os meus sentimentos não estão balançados,

E tudo em mim é demasiado.

Eu não te censuro se partiste num dos teus grandes navios.

Mas contentava-me saber que ainda te lembras de mim.

Das palavras que eu te berrei ou murmurei.

Que eu te roubei ou ofereci.

Desafogava-me saber onde aportaste,
Se te tornaste um típico marinheiro com uma mulher em cada porto,

Ou então um solitário, com saudades de casa.

Da nossa casa.

Os esforços que eu faço para me conter na brandura do que me permitem,
Torna-me aos pouquinhos louca.
Todas as minhas acções que me podem incriminar,
Tiram-me o sono e queimam-me o estômago,

Mas isso não as impede de (e não te rias das minhas crenças) condenar-me ao inferno ou algo que se assemelhe.

Eu tenho a intenção de te escrever uma carta onde te peça perdão, onde te diga que me fazes falta, que rezo por ti.

Que quero, quero tanto, que voltes para mim.

Que voltes para a nossa casa.

Eu tenho dado de comer ao gato e regado as plantas.

A chave está onde tu a deixaste e os lençóis estão lavados.

Houve tempos,

Mas já não os há.

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