Agora volta. Faz as malas, deixa a roupa suja para trás, deixa as saudades nesse sítio onde te escondeste. Agora volta e traz debaixo do braço o que me roubaste.
Desenterra-me que a terra come-me os olhos com uma ânsia devastadora, quase obscena. Desenterra-me que aqui ninguém me ouve. E o silêncio da minha voz é o que mais me queima. E se eu fugi um dia, foi por ti. Para tu vires atrás. Se eu fugi um dia, não foi, e deus me livre, por estas pessoas. Se eu fugi, e não admito que o fiz, não foi por nenhum deles, porque a barba deles é suja, e os olhos são baços. Não tem sabor, e quando falam não emitem som algum, como se fossem só corpo, só casca. Vazios por dentro, perdidos das mães e dos pais. Nunca foram crianças e nunca viram o Douro ao fim do dia. Nunca rezaram de olhos fechados e nunca cantaram de mãos dadas. Nunca perderam os amigos nos recantos da vida porque nunca tiveram amigos.
E vem desenterrar-me, tira o braço de cima dela, e vem desenterrar-me que eu sei que não pertenço aqui. Eu pertenço onde tu estás, ao cheiro da chuva no teu pescoço, aos nós dos teus dedos. Ela está a mais, eles estão a mais. Eles dizem-me triste, mas foi porque eles nunca viveram o que nós vivemos. Eles dizem que se amam, mas eles não se conhecem, eles não se olham de uma margem para outra, eles nunca sujaram as mãos no sangue, deitaram-se de barriga na lama e a lama crescia neles como só cresce em quem sofre, em quem é mulher antes do tempo. Elas não sabem o que é ser mulher, porque elas não vieram do mesmo sitio que nós, e elas abrem as pernas, mas elas não as sabem fechar. E, Deus, elas sofreram mas elas não aprenderam nada com isso. E eles não sabem ser homens, porque eles não vieram do mesmo sitio que nós, não cresceram mas acham-se de tamanho de homens feitos, e eles guiam com uma mão e fumam com a outra mas nenhum deles viu o tempo a estender-se pelos corredores, a deixar as paredes intactas por entre os anos, sem uma mossa, sem um risco. Como nós vimos.
Por isso tira o braço de cima dela e volta para mim, tosse o cheiro dela do teu hálito, e volta para mim. Tenho saudades tuas pelo meu corpo todo, e eles podem passar por mim – que vergonha admitir-te isto quando tu com a mão no bolso dela – mas eles não as conseguem abafar. E eles podem pesar-me no peito – admito-te isto – podem roubar-me o sono, roubar-me a vontade de acordar de manha, mas vez alguma eles me esvaziaram o peito, aconchegaram-me o sono ou tiraram-me da cama.
Por isso volta hoje, que eu tenho medo, a terra é fria, e a minha lápide nada diz. Volta para mim e encontra-me pelo cheiro, as saudades de ti foram fatais e eu não deixei nada ao mundo, não tinha nada para deixar. Mas eu lembro-me dos finais de tarde e o por do sol a reflectir-se no infinito do mar, dois sóis num só planeta, a queimar-me a pele dos braços e a cegar-me os olhos mas se eu contasse alguém eles diziam-me louca, com certeza. Mas tu não, tu viste com os mesmos olhos que eu, com a mesma pele que eu.
Desenterra-me que a terra come-me os olhos com uma ânsia devastadora, quase obscena. Desenterra-me que aqui ninguém me ouve. E o silêncio da minha voz é o que mais me queima. E se eu fugi um dia, foi por ti. Para tu vires atrás. Se eu fugi um dia, não foi, e deus me livre, por estas pessoas. Se eu fugi, e não admito que o fiz, não foi por nenhum deles, porque a barba deles é suja, e os olhos são baços. Não tem sabor, e quando falam não emitem som algum, como se fossem só corpo, só casca. Vazios por dentro, perdidos das mães e dos pais. Nunca foram crianças e nunca viram o Douro ao fim do dia. Nunca rezaram de olhos fechados e nunca cantaram de mãos dadas. Nunca perderam os amigos nos recantos da vida porque nunca tiveram amigos.
E vem desenterrar-me, tira o braço de cima dela, e vem desenterrar-me que eu sei que não pertenço aqui. Eu pertenço onde tu estás, ao cheiro da chuva no teu pescoço, aos nós dos teus dedos. Ela está a mais, eles estão a mais. Eles dizem-me triste, mas foi porque eles nunca viveram o que nós vivemos. Eles dizem que se amam, mas eles não se conhecem, eles não se olham de uma margem para outra, eles nunca sujaram as mãos no sangue, deitaram-se de barriga na lama e a lama crescia neles como só cresce em quem sofre, em quem é mulher antes do tempo. Elas não sabem o que é ser mulher, porque elas não vieram do mesmo sitio que nós, e elas abrem as pernas, mas elas não as sabem fechar. E, Deus, elas sofreram mas elas não aprenderam nada com isso. E eles não sabem ser homens, porque eles não vieram do mesmo sitio que nós, não cresceram mas acham-se de tamanho de homens feitos, e eles guiam com uma mão e fumam com a outra mas nenhum deles viu o tempo a estender-se pelos corredores, a deixar as paredes intactas por entre os anos, sem uma mossa, sem um risco. Como nós vimos.
Por isso tira o braço de cima dela e volta para mim, tosse o cheiro dela do teu hálito, e volta para mim. Tenho saudades tuas pelo meu corpo todo, e eles podem passar por mim – que vergonha admitir-te isto quando tu com a mão no bolso dela – mas eles não as conseguem abafar. E eles podem pesar-me no peito – admito-te isto – podem roubar-me o sono, roubar-me a vontade de acordar de manha, mas vez alguma eles me esvaziaram o peito, aconchegaram-me o sono ou tiraram-me da cama.
Por isso volta hoje, que eu tenho medo, a terra é fria, e a minha lápide nada diz. Volta para mim e encontra-me pelo cheiro, as saudades de ti foram fatais e eu não deixei nada ao mundo, não tinha nada para deixar. Mas eu lembro-me dos finais de tarde e o por do sol a reflectir-se no infinito do mar, dois sóis num só planeta, a queimar-me a pele dos braços e a cegar-me os olhos mas se eu contasse alguém eles diziam-me louca, com certeza. Mas tu não, tu viste com os mesmos olhos que eu, com a mesma pele que eu.