domingo, 2 de maio de 2010

Mensagem 242


Tu mudaste a minha vida e depois meteste-te num avião. Disseste-me um adeus aos pontapés e eu fiquei no mesmo sitio durante duas horas. Dizer-te que roubaste a melhor parte de quem eu fui, é dizer de forma breve a maior verdade de todas. De eu a procurar por ti nas ruas em que passamos, de eu a procurar por ti nos livros que leste, de eu procurar por ti nas tuas fotografias. Eu a descobrir que o amor dói de forma parva, a comer-nos de dentro para fora, canibal, esfomeado. O amor a comer-te a ti, as pequenas lembranças tuas, a devora-las. O teu perfil, as tuas mãos, as tuas orelhas, a tua voz, os teus olhos a prenderem os meus. Tu a mudares a minha vida, e a dizer que o contrário é que era verdade. E eu espantada por alguém conseguir gostar de mim, dia após dia, ás vezes estranho, desconfortável – e então nós a mexer-nos no sofá, a mexer o café, a dobrar os guardanapos – ás vezes tão certo que verão no inverno.
E depois tu num avião e o mundo a encolher, eu uma merda outra vez. E o mundo minúsculo, abafado, e o amor a comer-me viva. Eu mulher mas sem espaço para o ser. O mundo a encolher sobre mim, e tu dentro de um avião. Se morreres eu nunca hei-de saber. Se morreres nada mudará aqui. Nas ruas que passamos, nos livros que leste, nas tuas fotografias.
Tu mudaste a minha vida, a visão que eu tinha de mim e depois meteste-te num avião. Um adeus pelo telefone e eu a chorar. Tu a chorar. Que horas eram que ainda era de noite? Noite. E o amor com que me deixaste a arrancar-me os órgãos, a cegar-me. E eu não mais um ser humano, eu lixo, toda a gente a olhar-me sem me ver, eu invisível, e os dentes deles a sorrirem-me e tu, tu dentro de um avião. Tanto amor que me deixaste, e o amor enraivecido, não ciúmes, raiva, ódio, a ferver dentro do meu estômago. A queimar-me o esófago. E eu a vomitar outra pessoa, a chorar no chão da cozinha. Talvez tu não te tenhas metido num avião e estejas no teu apartamento, talvez tu voltes amanha, para a semana, daqui a um mês, para o ano. E um silencio de domingo a ecoar-me no vazio do corpo. O amor em forma de ódio, não voltes, ninguém te quer também. O amor a matar a mulher que conheceste. Já não existe, existo. Não sou nada, não sou ninguém, um buraco negro em forma humana. Só perda em mim. Ninguém me quer também. E tu dentro de um avião. E o amor a comer-me de dentro para fora, a comer quem se senta ao meu lado, a envenenar o ar que respiro. Eu invisível, e depois eu velha. E se calhar tu morreste dentro de o avião e eu viúva de ninguém. Quando tu te foste embora, todos os dias eu sinto que a parte maior de mim foi contigo. Por favor, por favor, devolve-a.

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