Leva-me a sério, mesmo nos meus piores dias. Não me ignores
quando eu não faço sentido. Eu prometo melhorar, se quiseres eu deixo de fumar.
Eu perdi-me por aí, entre quem eu sou e quem tu és, o mal
que lhe fizemos a ela, e nós. Todos sabem, meu amor. Eu que tanto fiz por esconder-me,
todos sabem sobre mim.
Tu disseste:
- mostra-me quem és,
E eu afeiçoei-me à ideia, e na confiança de um navegador que
enjoa nas ondas, ordenei que se abrissem as velas.
Sem mapa, sem tesouro, a tripulação duvidou-me:
- tu é que sabes,
Eu é que sei, braços no ar, e ai de quem de mim duvidar. O mundo
é meu e eu sou capaz, sou capaz. Sempre fui boa, sempre fui meiga, ai de quem o
dedo a mim apontar. Borda fora com todos, que o meu coração é bravo e morde.
O meu coração não sente, pedra rija mas pedra que mente. Até
a mim me surpreende, sempre a cochichar-me enganos. Gosta de me dizer ninguém,
e eu dizia-lhe,
- mentiras.
Até que tu largaste o leme.
Disseste que te magoava as mãos, era pesado de mais e bem
feitas as contas, não te valia a pena:
- Não vale mais a pena.
E eu em alto mar, sem saber nadar. Foste embora num
movimento que durou meses, de silêncios, de gritos, de dor num coração que nada
sente e não gosta de falar.
Tu deixaste de me tocar e eu aflita, quem me agarra se eu
cair ao mar?
Este navio está a afundar-se, meu amor, ajuda-me. Ajudem-me.
É uma ordem, ninguém me respeita. Eu sempre fui boa, eu sempre fui meiga, só
quando não fui. Agora eu sou a capita de um navio a encher de água salgada.
Diz-lhes que eu não fiz por mal, sem intenção. Fiz-lhes
porque o meu amor por ti mandou-me. Com as duas mãos no meu pescoço ordenou-me
tamanha maldade.
Quando este navio afundar e a pedra que é o meu coração me
levar ao fundo, que as minhas pernas ganhem escamas, que os meus pés em vez de
pés sejam barbatanas, que o cabelo que eu cortei sem tu aprovares, cresça outra
vez. E eu encontre perdão pelas minhas decisões e possa ir, finalmente, para
longe de ti, deste amor.
Nos meus sonhos, tu nunca eras tu.
E o amor é um empreendimento parvo, que nos faz loucos, e
quando de repente desaparece, desaparece. Deixa dois loucos sem casa.
Nós não temos muito mais tempo, parece-me meu amor, eu
consigo ver as paredes a abrirem-se.
Mas, no caso, de tudo o que eu digo ser uma profecia –
contigo sempre me pareceu tal coisa, o dia em que te vi já o tinha visto antes e sempre soube que o dia de hoje chegaria,
somente me surpreendem os pormenores – espero que o dia chegue e reconsideres,
te lembres de quem eramos. Eu e
tu, tu e eu.
Todos me sabem, mas só tu me reconheces.
Todos me sabem, mas só tu me reconheces.
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