Querida Júlia:
Passaram três semanas. Encavalitadas, um dia por cima do outro. Não vou mentir (não a ti, nem agora) e dizer que foram três longas semanas, não foram. Em vez disso, foram pesadas, turvas, penosas. Ao olha-las, vejo o vazio que elas contornam, a dor que elas consomem, o silencio que elas berram.
Desde que tu partiste eu tenho pensado muito na vida, na morte, no que vem no meio e faz a ligação entre elas, não cheguei, claro, a conclusão alguma, talvez tirando o facto de tu não fazeres parte de nenhuma delas. Talvez precise de mais três semanas.
Seja como for, aqui estou eu. Afogada em memórias e palavras tardias. Perdi o sentido dos sentidos, dos cinco. Em mim só resta uma aguda saudade, que vai para além de ser portuguesa, uma saudade que me paralisa, daquelas que me faz fechar os olhos de repente. Fazes a mínima ideia?
Ás vezes deixo-me ficar embrulhada na cama, de olhos arregalados e punhos apertados, atenta ao teu retorno, á espera que voltes. É um pensamento egoísta, este de te querer até em fantasma? De querer que voltes seja de que forma for, quebrando seja quais forem as regras que o universo tem. Se for, perdoa-me. É mais forte do que eu, admito. Admito também que houve (mais vezes do que as que o meu corpo aguenta) tempos em que te achei estranha. Alturas em que te ignorei a chamada. Te virei a cabeça e me fiz de surda. Não te peço para me desculpares isso, porque nem eu consigo, mas peço para me conseguires ver para além disso.
O motivo para te estar a escrever esta carta que está destinada a nunca encontrar destino (mais uma, pobre dela) é-me desconhecido, mas penso ter alguma coisa a ver com a caixa cor-de-rosa que eu encontrei hoje de manha. Sim, essa mesma, a que está apinhada de fotos tuas, minhas, nossas. Ao princípio fechei-lhe a tampa porque ela queimou-me as pontas dos dedos. Devias ter visto, eram dois fantasmas a rir-se. De que é que não sei. Os fantasmas não se explicam.
Disse-te já que sinto a tua falta? Disse-te já que o teu nome é épico? Querida Júlia, estavas destinada a grandes futuros, todos eles levavam-te a céus similares aquele em que dormes hoje. Mas, nesses céus, tu és mais que ar ou uma ideia.
Querida amiga, vi ontem o teu futuro, antes das tuas lágrimas de borboleta escorrerem, vi-o enquanto escovava o cabelo, querida Júlia o teu sorriso não desliza em mim mais. O teu dom de fada não me encanta mais. Eu não sei dormir, não sei falar. A tua ausência é o mais real que a minha existência tocou. O teu corpo que não é mais feito de sangue não me toca e abraça. És-me perda.
Escrevo-te da terra que deixaste ao abandono, do país que esvaziaste a medo. Estranha esta sensação de não caber em idade ou dimensão alguma.
Querida Júlia, aceito hoje a tua partida, não como algo que deve ser ultrapassado mas sim como um acontecimento que marca a minha vida para sempre. A vida que me é única e curta.
Talvez agora estejas junto do gato malhado que enterramos há um século atrás. Como se chamava ele, Júlia? Malhado ou Machado. Dá-lhe uma coçadela atrás das orelhas por mim, eu sei que ele gostava disso.
Dorme bem Jú, sem os pesadelos que te atormentavam nas tuas últimas noites, deixa-os para mim.
Passaram três semanas. Encavalitadas, um dia por cima do outro. Não vou mentir (não a ti, nem agora) e dizer que foram três longas semanas, não foram. Em vez disso, foram pesadas, turvas, penosas. Ao olha-las, vejo o vazio que elas contornam, a dor que elas consomem, o silencio que elas berram.
Desde que tu partiste eu tenho pensado muito na vida, na morte, no que vem no meio e faz a ligação entre elas, não cheguei, claro, a conclusão alguma, talvez tirando o facto de tu não fazeres parte de nenhuma delas. Talvez precise de mais três semanas.
Seja como for, aqui estou eu. Afogada em memórias e palavras tardias. Perdi o sentido dos sentidos, dos cinco. Em mim só resta uma aguda saudade, que vai para além de ser portuguesa, uma saudade que me paralisa, daquelas que me faz fechar os olhos de repente. Fazes a mínima ideia?
Ás vezes deixo-me ficar embrulhada na cama, de olhos arregalados e punhos apertados, atenta ao teu retorno, á espera que voltes. É um pensamento egoísta, este de te querer até em fantasma? De querer que voltes seja de que forma for, quebrando seja quais forem as regras que o universo tem. Se for, perdoa-me. É mais forte do que eu, admito. Admito também que houve (mais vezes do que as que o meu corpo aguenta) tempos em que te achei estranha. Alturas em que te ignorei a chamada. Te virei a cabeça e me fiz de surda. Não te peço para me desculpares isso, porque nem eu consigo, mas peço para me conseguires ver para além disso.
O motivo para te estar a escrever esta carta que está destinada a nunca encontrar destino (mais uma, pobre dela) é-me desconhecido, mas penso ter alguma coisa a ver com a caixa cor-de-rosa que eu encontrei hoje de manha. Sim, essa mesma, a que está apinhada de fotos tuas, minhas, nossas. Ao princípio fechei-lhe a tampa porque ela queimou-me as pontas dos dedos. Devias ter visto, eram dois fantasmas a rir-se. De que é que não sei. Os fantasmas não se explicam.
Disse-te já que sinto a tua falta? Disse-te já que o teu nome é épico? Querida Júlia, estavas destinada a grandes futuros, todos eles levavam-te a céus similares aquele em que dormes hoje. Mas, nesses céus, tu és mais que ar ou uma ideia.
Querida amiga, vi ontem o teu futuro, antes das tuas lágrimas de borboleta escorrerem, vi-o enquanto escovava o cabelo, querida Júlia o teu sorriso não desliza em mim mais. O teu dom de fada não me encanta mais. Eu não sei dormir, não sei falar. A tua ausência é o mais real que a minha existência tocou. O teu corpo que não é mais feito de sangue não me toca e abraça. És-me perda.
Escrevo-te da terra que deixaste ao abandono, do país que esvaziaste a medo. Estranha esta sensação de não caber em idade ou dimensão alguma.
Querida Júlia, aceito hoje a tua partida, não como algo que deve ser ultrapassado mas sim como um acontecimento que marca a minha vida para sempre. A vida que me é única e curta.
Talvez agora estejas junto do gato malhado que enterramos há um século atrás. Como se chamava ele, Júlia? Malhado ou Machado. Dá-lhe uma coçadela atrás das orelhas por mim, eu sei que ele gostava disso.
Dorme bem Jú, sem os pesadelos que te atormentavam nas tuas últimas noites, deixa-os para mim.
Escrevo-te o mais depressa possível, minha querida.