quarta-feira, 18 de junho de 2008

Sem sentido #1

As pombas não são animais domésticos, isso é certo.
Mas mesmo assim elas estão sempre lá para os solitários. A picar o chão dos parques, a olhar de soslaio para aqueles que não tem mais ninguém que olhem por eles.
Isso também é certo.
Houve um dia, no nosso país, uma historia completamente diferente do que aquela que nos ensinaram. Eu não a conheço, nem sei a quem perguntar. Mas sei que ela existe e isso é mais que suficiente para mim.
Se quiseres podes ficar, não está ninguém a olhar.
Se quiseres podes até fechar os olhos. Se tiveres de bom-humor.
Eu não me vou embora, quando abrires os olhos eu ainda cá estou.
Houve, um dia, uma história bem diferente daquela que nos contaram, eu sei o princípio, o meio e o fim, mas mesmo assim, sinto que não a sei. Porque não há historia mais delicada do que aquela que é segredada. E esta é segredada há gerações. Não por ela ter algum mal, mas por ela ser alimento para os sonhadores ou para os preguiçosos. A historia não rima, mas como muitas outras, começa por “era uma vez”. Não por falta de originalidade, mas por ser muito antiga, antes dos Homens, antes do tempo em que os animais falavam, antes dos vulcões e das rochas. Exactamente antes disso tudo, era uma vez uma estrela. Uma estrela igual ás outras, na verdade, cansada de estar sempre a brilhar, cansada de estar tão distante das outras estrelas suas amigas e irmãs. No entanto, numa noite que nunca viu o fim, esta estrela sem nome, acordou com o barulho de uma grande explosão. As estrelas são até seres bem corajosos, não estivessem elas abandonadas no meio da escuridão, mas a nossa estrela de repente sentiu-se sozinha, ainda mais do que costume, queria fugir mas não sabia para onde. Mas, e porque as estrelas são também seres curiosos, deixou-se estar e tentou perceber de onde tinha vindo tal barulho.
Lá ao longe, ela viu o brilho mais vivo que ela já alguma vez tinha visto. Tem de se notar que a estrela jamais tinha visto tanta vida, lá no universo está tudo morto, todo silencioso, tão silencioso que apita nos ouvidos. Não é, de facto, um bom sitio para viver, o universo. Por isso, apaixonada pelo brilho desconhecido a estrela correu, navegou, deslizou até lhe estar o mais próximo possível. De perto, o brilho era uma rocha redonda. Não muito grande, não muito pequena. Viu também um senhor, um senhor que se diz “Senhor dos céus”. A estrela já tinha ouvido falar nele, andava de trás para a frente a espelhar a sua palavra, mas nunca ninguém lhe ligava nenhuma. Quando se está habituado ao silêncio, estranha-se as palavras, mesmo que sejam palavras divinas.
Assim sendo, a estrela observou o trabalho árduo do Senhor, que durante sete dias não descansou, não comeu. A rocha redonda pintou-se de verde e azul e tornou-se, sem dúvida, um bonito planeta. A estrela ficou ali, ao lado do Senhor, a olhar para o mundo que se movia de dentro para fora, um mundo que se criava sozinho, ás vezes bem, ás vezes mal.
Ás vezes tão mal que fazia a estrela, agora já velha, chorar. E ela chorava e chorava, e nessas alturas algo no mundo se contorcia, mas não o suficiente. A estrela agarrava na manga do Senhor e pedia-lhe para ela ajudar o mundo que era seu ventre. Mas ele não se mexia, ele não falava, mantinha-se ali, á distancia, a observar. Mas nos olhos Dele, a estrela conseguia reconhecer uma tristeza profunda, uma dor cravada, mas isso só a indignava mais. “E porque?” perguntava-lhe ela a Ele, a ela mesma, ao eco imenso do universo. Mas Ele não respondia.
Porque que o Senhor tinha trabalhado a fundo num mundo que depois deixou ao abandono? Talvez, pensava a estrela, era porque estava falta de tanto silêncio. De ninguém ouvir, sentir e precisar das Suas palavras. E este mundo era um mundo barulhento, um barulho que se ouvia acima da atmosfera, que ecoava no vazio do grande nada. Como um bebé a respirar. Este planeta ouvia o Senhor, interpretava-o e chamava-o. Berrava o nome Dele. E esse berro arranhava, de todas as formas possíveis, a estrela.
A estrela, um dia, sentindo a morte perto, deixou-se cair, afastando-se do Senhor que foi sua companhia, do planeta que foi seu filho. No entanto, no negro dos seus olhos a Estrela viu o Senhor, mas não era o mesmo de sempre, estava agora de braços abertos, sentado em algo bem mais bonito que o universo todo. A estrela morreu.

Como a historia chegou aos nossos ouvidos, eu já não sei. Mas eu conto-te, meu amor, para tu saberes que eu confio em ti. Para tu saberes que quando tu abrires os olhos eu vou estar aqui. Para tu saberes, que nem no fim, tu estarás sozinho.

Sem comentários: