quinta-feira, 29 de outubro de 2009


Queria tanto dizer-te o que me fica no nó da garganta. Têm sido tempos difíceis, tu sabes, ninguém à minha espera, nenhuma voz que eu saiba minha. E o mal são os fins dos dias, o parar do tempo antes deste o ser, é o ver fotografias de outros tempos, e eu outra pessoa, e tu outra pessoa, de mão dadas. E quem sabe para onde esses tempos foram. E todos me perguntam, mas eu sem saber quem sou. A olhar pasmada para fotografias, e eu a parecer-me alguém que já faleceu, tão atenta, com os olhos presos, sem os mover. Nem um segundo, nem um milímetro. E o meu nome sem ser meu, e eu sem caber mais debaixo de ti, mas a insistir, a insistir. Até caber, até encolher ou crescer, sabe Deus o que me aconteceu. E eu a embirrar, a olhar para o que eu deixei fugir e agora tanta falta me faz, e a querer-los ainda como meus. Mas eu ao telefone
- Têm sido tempos difíceis.
E, de facto, não minto. São tempos difíceis. Contigo longe de mim, a olhar-me por cima dos óculos de sol e a dizer-me
- Fazes-me tanta falta.
E eu a lembrar-me das férias de verão, eu e tu a matar mosquitos com almofadas. E eu já a saber que um dia iria sentir a tua falta, só não pensei que tão cedo, tão forte. Queria-te dizer tudo o que me fica no nó da garganta, mas não sai, não me deixa e o meu mal é esse, ver que as coisas têm acerto quando me fogem. Agora chamam-te doutor e tu gabas-te do apelido, com a mão no peito. Mas e eu já naquele tempo - quando tu ainda de mão dada - a saber que te iria sentir a falta, que um dia me irias saber a cinza. E eu a falar e a voz a sair-me luto, de que falo eu que o passar das horas não levem? Queria tanto poder subir, bater-te á porta e talvez tu me soubesses receber outra vez, e eu, só mais uma vez, a ser eu por inteiro. Com nome, corpo, tudo. Sem me demorar nas fotografias e eu defunta em algum baldio. Nome, corpo, tudo. Alguém à minha espera, alguma voz que eu reconheça como minha. E o fim do dia chegar e um
- Até amanha.
E tu não me saberes mais a cinza, mas ao que sabias: a laranja e a sol nascente. E todas as minhas feridas lambidas, sem me doer o teu
- Fazes-me tanta falta.
Porque tu não mais na memória. Mas sim outros, e esses outros a gostarem de mim e não a virarem-me a cara, a olharem-me sem me verem, a gastarem-me o juízo quando eu nunca o tive.

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