quarta-feira, 31 de março de 2010

Mensagem 240


E a mãe a ajeitar-me a colcha com uma voz que perdeu o hábito a dar-me um beijo de boa noite,
- até amanha mãe,
Quando a senhora estiver velha e eu velha, as duas velhas, imagina?,
Você mais pálida, de dedos nos joelhos a embalar-se no passar das horas,
Como a nossa gata mãe, à procura do sol, a rebolar-se no chão e com os olhos perdidos no perder do dia.
E eu a aparecer-lhe à frente de tatuagem no pescoço a mãe com as mãos na cabeça, mas mesmo assim, indiferente, já velha, creio eu, mas eu ainda nova a fazer-lhe uma inveja orgulhosa, creio eu.
As suas rugas, senhora minha mãe, apareceram de repente, primeiro nas mãos e depois a cegarem-lhe os olhos, os seus olhos – que de todos que eu olhei foram os únicos que consegui ver o fundo, que de todos que eu olhei nunca amei outros mais – castanhos escuros a cegarem-me os gestos. E os meus gestos idênticos ao seus, ao acenar e ao ler.
Mas o seu sorriso nunca envelheceu, sempre o mesmo sem uma ruga a mais ou um tremer que
- Nunca antes tinha reparado.
Eu e a senhora um dia seremos velhas, consegue imaginar?, e talvez aí eu admita que tinha razão sobre este dia, ou eu e a senhora velha e eu num canto e você noutro, espelho de nós agora.
Mas, mãe, quem diria, olhos nenhuns como aos seus a fitarem-me do outro lado da mesa, aos pés da cama, e eu a ver neles aquilo que deixou por dizer,
- até amanha mãe.

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