domingo, 21 de dezembro de 2008

i hope it's going to make you notice someone like me


Eram 8 da manha e chovia em todo o mundo, a minha alma era dura e eu era alguém que não chorava. Não chorava porque não precisava, o meu coração era inteiro e o meu peito não me pesava.
E tu dizias-me um génio, dizias-me a mulher da tua vida, dizias que tudo até ao dia em que me conheceste era nada.
E eu acreditei.
Eram oito da manha e chovia pelo mundo tudo quando eu me apercebi.
O amor é pesado quando é só meu.
Quando tu me o atiras em forma de pena pelo que eu te dou.
O amor é pesado quando tu me mentes,
Quando tu me dizias que me amavas para além da minha insegurança, da minha duvida.
E a minha duvida não doía, porque tu a adormecias,
E o meu ventre chorava as lágrimas da esterilidade com que tu me envenenaste,
Com os livros de auto-ajuda que tu me lias,
Com o aborto da minha confiança,
De quem eu fui.
Nos girassóis na mesinha de cabeceira.
Secos e podres nos dias que correm.
Paralisados na luz da noite que os mata,
E eu dizia-te:
- Vá lá, vem-te deitar.
E os teus lábios fechavam-se, e seja lá o que tu fumavas para esquecer, tu fumavas durante horas,
Até a tua alma ser só fumo e o teu beijo cinza.
Tu fumavas e tocavas guitarra com a ponta dos dedos,
Com uma distancia imposta por regras severas, como se viessem na bíblia.
Escrevias versos atrás de versos, coisas simples que nada diziam.
Falavas de Deus e da falta que Ele te fazia.
Ás vezes, falavas de mim, mas mais uma vez com uma distância rígida.
Como se me visses da janela do vizinho.
Do vizinho que começava a comentar os teus silêncios,
O velho dizia-me:
- Não se aflija, menina, que a culpa não é sua.
Ele era velho, e a velhice protegia-o de mim.
Mas as palavras dele faziam eco no meu ser,
E eu ouvia-lhe a voz:
- A culpa não é sua.
Mas a culpa tinha o meu sabor, tu nunca te deitavas a meu lado,
Tu não me dizias mais a mulher da tua vida,
E fumavas a alma para o tecto,
E o tecto era de um cinzento pálido, como os teus olhos eram, como as tuas palavras eram.
E aos poucos, eu era de um cinzento pálido.
Eram oito da manha quando eu vi as tuas malas junto da cama,
Os teus olhos vazios de mim.
Mas eu lembro-me de pensar que tinha de comprar girassóis novos,
Que os que jaziam na mesinha de cabeceira pareciam berrar de dor.
Eu lembro-me de te olhar e pensar na merda dos girassóis que tu nunca quiseste saber.
E tu disseste - com uma voz profunda, aguada, que me deu a impressão de estar há muito, muito tempo á espera de ser ouvida –:
- A culpa não é tua.
E então eu vi. E então o meu coração congelou até estilhaçar. E então eu vi-te três anos antes, o homem da minha vida. Eu vi-te o fumo do cigarro e da alma sair-te pelas narinas. E então eu soube que a culpa era minha de não saber ser a mulher que a tua vida precisa.
Eu não me mexi, não podia, não conseguia. Tu engoliste em seco as palavras que te subiam a garganta. A chuva caía pelo mundo, e o mundo parecia não ver. Tu pegaste nas malas, três malas. Uma mala por cada ano. Elas pareciam leves, vazias. E saíste do quarto, eu ouvi os teus passos pelo corredor e cada um me parecia mais duro que o outro, e cada um me trincava a alma com mais força. Mas eu não me mexi, não podia, não conseguia. Eram oito e sete quando a porta da entrada bateu. E o quarto estava escuro, frio e cheirava a tabaco.
E eu juro-te que o meu coração não batia, que o meu sangue não corria. Eu juro-te que nesse dia algo em mim morreu, desapareceu, mas a morte de tal foi talvez a coisa mais dolorosa, mas sentida em mim.
Foi física, porque o meu corpo congelou, foi mental porque a minha alma apodreceu e o bolor foi doentio, como se eu fosse a raiz de todas as doenças deste planeta. E o planeta deixou de ser meu, e eu sempre me senti longe de casa.
Eu transformei-me no tipo de pessoa que nunca gostei, eu sou o tipo de pessoa que chora quando se riem de mim. Eu sou o tipo de pessoa que o peito dói se alguém se esquecer do meu nome. E o meu nome não me parece meu, como se os meus pais se tivessem enganado não no nome, mas na filha.
Eu ainda guardo os teus poemas debaixo da cama, nunca os leio porque os sei de cor, e de vez em quando, quando se riem de mim, eu ouço:

Há que partir quando o homem se sente preso,
Porque o velho deixa de nos olhar nos olhos,
E a vontade de viajar se esconde na vontade fingida de ficar.
Perdoa-me amor, a alergia aos teus girassóis que nunca passaram disso.
Porque o velho cegou-me todo o amor quando disse,
Parte antes que seja tarde de mais,
E a morte do homem que és, seja culpa dela.

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