sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

One year


Talvez um dia voltes,
Já que foste sem te despedires,
Talvez um dia eu te veja para além dos teus passos nas escadas
E as tuas costas a olharam-me sem me verem,
Talvez um dia eu te veja para além da tua pele fria no fim de Janeiro,
A tua pele vermelha, na chuva miudinha que não caía em ninguém mais que eu.
Talvez tu voltes, porque nunca deixaste um bilhete um ‘tenho que ir, desculpa-me’ rabiscado num guardanapo.
Uma fotografia para eu esconder debaixo da almofada.
Esconder de mim e das saudades venenosas que eu tenho tuas,
Não dos teus passos nas escadas ou das tuas costas,
De ti. De quem tu foste antes dos passos nas escadas, antes das tuas costas cegas e vazias de mim.
Talvez tu voltes,
Talvez um dia me batas á porta, e os passos nas escadas sejam para norte,
Ou para sul, ou sei lá, para mim e não de mim.
Talvez eu te veja os olhos cheios desta vontade que me come,
E não ausentes, como se me tentassem dizer o que não existe.
Não em mim, pelo menos.
Ou o meu nome dito nos ecos dos vales, dos montes, das serras.
Dos declínios da terra onde eu brincava quando ainda sabia brincar.
E a minha irmã vinha comigo, para este ou oeste,
E eu recordo-me da minha irmã, e também ela ainda sabia brincar.
Tudo o que eu hoje sei são os teus passos nas escadas,
Que eu vi pela janela, porque não tive coragem para mais.
E tu viste-me sem me ver, sem vontade de o fazer,
Que é o mesmo que não ver.
Talvez tu voltes, com uma desculpa credível,
Talvez tenhas ido salvar o mundo,
Que tanto precisa,
Talvez um dia voltes,
E venhas a tempo de ver tudo o que morre,
O que já morreu, dentro das casas que são feitas para morrer,
E que os defuntos não deixam, porque estão em casa,
E nunca se deixa a casa quando é nossa.
E, quem sabe, talvez tu voltes.
De onde não sei, se do oceano, se de Espanha.
Talvez nem sequer tenhas partido.
E simplesmente te perdeste dentro desta casa morta feita para nos matar.
Matar não, roubar a vida.
Como quando eu te disse:
- não confio em ti.
E o eco dos vales, dos montes e das serras estalou por um pouco,
Só um pouco, mas as palavras são memórias e sempre que te lembras do:
- não confio em ti.
O meu nome morria um pouco, só um pouco. Mas tu não conseguiste esquecer, e o meu nome foi também para uma daquelas casas de onde ninguém volta.
Foi para morrer, ouvi dizer.
E deixou-me com os teus passos nas escadas, a porta a bater, e a luz do candeeiro da rua a tremelicar. E era noite e era dia.
E eras tu para mim, e não ao contrário:
- não confio em ti.
E eu a encolher os ombros.
E talvez o meu encolher de ombros seja o mesmo que os teus passos nas escadas.
Tiros certeiros. Frieiras no peito.
Talvez um dia voltes, porque eu ainda te espero.
Ainda olho pela janela, e vejo o vizinho e o cão, e vejo os carros sem alma, e os sacos das pessoas, e as pessoas dos sacos. Mas nunca a ti, nunca tu. Eu olho pela janela, para além dela, e espero por ti.
Espero que voltes. Espero que o carteiro me traga uma carta dee longe, como se tivesses ido para a guerra.
E se morreres por lá, voltas para junto de mim dentro de uma caixa, que eu vou amar como se o teu corpo fosse, que eu vou chorar como se as tuas mãos fossem. E vais ser enterrado junto dos soldados de outros séculos, com a terra a cobrir-te os ossos que já não prestam, e a erva vai nascer sobre o que antes era vida. E eu visito-te todos os domingos com as cartas que nunca fui a tempo de te enviar.
E eu vou imaginar-te com a espingarda ao ombro, e o inimigo sem apelido ou nome próprio.
Talvez tu voltes.
Talvez no funeral do meu nome tu tragas a aliança que levaste contigo.
Talvez ainda voltes.
(you.)

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