quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Uma inocente inclinação para o mal

Pago os meus impostos, separo o lixo,
Já não vejo televisão há cinco meses,
Todos os dias rezo pelo menos duas horas
Com um livro nos joelhos,
Nunca falho uma visita à família,
Utilizo sempre os transportes públicos,
Raramente me esqueço de deixar água fresca no prato do gato,
Tento ser correcto com os meus vizinhos e não cuspo na sombra dos outros.
Já não me lembro se o médico me disse ser esta receita a indicada para salvar o mundo ou apenas ser feliz.
Seja como for, não estou a ver resultado nenhum.

Tenho uma estátua fluorescente da virgem Maria
Que me dá confiança e brilha à noite.
Tenho os joelhos magoados, o calvário dos fiéis devia ser menos árduo.
Tenho trezentos e sessenta e cinco santos numa caixa calendário,
Daquelas em que cada dia tem um chocolate.
Tenho um lencinho branco onde limpo as lágrimas enquanto assisto a uma vigília via tv
depois da minha última ceia de hoje.
Ás vezes quando o vapor é muito, tenho o salvador no espelho.
Deito-me de consciência limpa, não me esqueci das velinhas,
nem de deixar a moedinha na caixa,
e o meu "livro de orações" tem um delicioso cheiro a mofo.
Dormirei o sono dos justos e talvez não acorde quando o galo da minha vizinha cantar três vezes
e o meu senhorio o tentar apedrejar.
Sinto-me bem e Deus queira que consiga não me masturbar.
Ámen.
A NAIFA

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